
A necessidade de combater rabeiras, prática ilegal que consiste em usar skates, bicicletas e outros meios de transporte presos nas traseiras de ônibus em movimento, reuniu usuários, autoridades policiais e gestores na tarde desta terça-feira (13), na Assembleia Legislativa do Paraná. O assunto ganhou repercussão nas últimas semanas após um adolescente, de 14 anos, morrer atropelado ao se segurar em um coletivo que transitava nas canaletas de Curitiba. Os fatos ocorreram no último dia 26.
O ato ilegal foi um dos problemas concernentes aos coletivos que foi tema da audiência pública "Segurança no Transporte Coletivo: Combate ao Assédio, aos Furtos e à Prática de Rabeira nos Veículos", proposta pela Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicação, presidida pelo deputado Ney Leprevost (União). “Estamos aqui para fazer com que as autoridades ouçam as reclamações e sugestões das pessoas que frequentam o transporte coletivo”, resumiu o parlamentar.
Logo na abertura da audiência, o deputado anunciou que protocolou um projeto de lei que prevê a aplicação de sanções administrativas para quem realizar rabeiras. O texto propõe ainda a apreensão do equipamento de transporte. “Quando arde no bolso, a pessoa pensa mil vezes antes de fazer bobagem”, ilustrou o parlamentar. O projeto, que ainda deve tramitar na Assembleia Legislativa, tem coautoria dos parlamentares Delegado Jacóvos (PL) e Pedro Paulo Bazana (PSD).
Leprevost destacou que a inspiração do projeto vem de uma proposição semelhante aprovada pela Câmara de Vereadores de Curitiba. A norma municipal prevê multa equivalente a 100 tarifas e apreensão do equipamento, liberado apenas após o pagamento. Ela ainda depende de sanção. “Queremos que a lei seja estadual, que tenha validade para todos os municípios do Paraná”, explicou o deputado do União.
Danos psicológicos aos motoristas
Angelo Gulin Neto, presidente do Sindicato das Empresas de Ônibus de Curitiba (Setransp), apontou que acidentes com rabeiras também geram prejuízos aos condutores, que acabam muitas vezes traumatizados pelos eventos. “Vemos as vítimas, mas não o que acontece aos motoristas que levam essas pessoas. É muito triste”, lamentou.
Conforme Gulin, desde que o adolescente de 14 anos morreu, o condutor do ônibus utilizado na rabeira está afastado. “Ele está com dano psicológico seríssimo, não voltou a trabalhar e não sabemos quando poderá”, ressaltou. O profissional está sendo submetido a tratamento psicológico.
Segundo Gulin, as empresas de ônibus já tentaram instalar estruturas nas traseiras dos coletivos para evitar a realização de rabeiras. No entanto, elas foram destruídas pelos infratores. Outra estratégia adotada foi o uso de graxa para coibir o uso, mas foi ineficaz.
Mayra Jaqueline Tonelli, capitão do Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran), explicou que as ações da corporação hoje estão focadas na prevenção, com realização de blitze em canaletas e ações educativas em escolas. “Um dos desafios é que não temos como aplicar infrações de trânsito ou recolher bicicletas”, explicou.
Importunação e furtos no trânsito
Casos de importunação sexual e furtos nos ônibus também foram discutidos na audiência pública. Gulin Neto trouxe dados que ajudam a compreender o cenário: cerca de 15 arrastões foram registrados nos ônibus que circulam em Curitiba somente neste ano. Também ocorreram sete assaltos em estações-tubo e dois dentro dos veículos – nestes casos, o roubo foi individualizado. Ao todo, 37 ônibus foram depredados no período.
O Setransp recebeu seis denúncias de assédio. O combate a esse crime conta com o apoio das câmeras de videomonitoramento, presentes em cerca de 65% dos ônibus que trafegam pela capital, segundo o gestor. O número deve crescer com a renovação da frota. Gulin Neto elencou como necessidade uma parceria maior entre as empresas de ônibus, órgãos gestores e polícias.
Para o diretor executivo do Sindicato das Empresas de Ônibus de Curitiba, Luiz Alberto Lenz César, um dos principais problemas do transporte público são as brigas entre torcidas organizadas de times de futebol. “Eles não vão para ver o jogo. Eles marcam com antecedência onde terá a briga. Não é apenas dentro dos ônibus e nas estações-tubos, mas também nos terminais. O custo do transporte coletivo passa a ser enorme. Um ônibus fica parado por semanas para ser consertado”.
O delegado Ítalo Biancardi Neto, da Polícia Civil do Paraná, sugeriu que as empresas de ônibus agilizem o compartilhamento com os órgãos de segurança de imagens de câmeras no âmbito de investigações. “Nem sempre a vítima comparece de imediato à delegacia, muitas vezes ela vai dias depois. E a prova se perde, pois novas imagens de câmera são sobrepostas àquela”, denunciou. Uma outra medida elencada é a ampliação do armazenamento dos servidores de imagem, o que reduziriam as perdas.
Presidente da Urbanização de Curitiba (Urbs), Ogeny Pedro Maia Neto explicou as ações já em curso pela empresa que administra o transporte de Curitiba, como a inclusão de câmeras traseiras nos coletivos, a implementação de videomonitoramento interno nos ônibus desde 2017, a realização de campanhas educativas, entre outras.
O vereador Almir Pedro Mielke, presidente da Câmara de Vereadores de Píen, município da Região Metropolitana de Curitiba com cerca de 12 mil habitantes, apontou a dificuldade dos moradores pienenses em registrar denúncias devido à falta de uma comarca da Polícia Civil no município.
Conscientização
Priscila Antunes Vieira, presidente suplente da Comtiba (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Curitiba), apontou a necessidade de fortalecer a realização de campanhas educativas em todos os âmbitos – pela Secretaria de Educação, conselhos e pelas polícias.
“Como conseguimos prevenir essas situações? Para além da punição, pois ela ocorre apenas após o ato, como conseguimos trabalhar com essas famílias ações preventivas?”, ressaltou Elisa Araújo, conselheira do CEDCA-PR (Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente).
“A conscientização deve começar no seio familiar”, afirmou o tenente-coronel Mário Henrique do Carmo. Uma das medidas sugeridas pelo coronel é a inclusão do combate à rabeira no Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd).
Gilson de Jesus dos Santos, diretor-presidente da Agência de Assuntos Metropolitanos do Paraná (Amep), pontuou que a resolução das questões é urgente para evitar a perda de público no transporte coletivo. “Ele é solução para temas como o aquecimento global e a mobilidade. Muitas vezes temos um ônibus com 80 pessoas e 80 carros com uma única pessoa. O ônibus não é o problema, é a solução. Não podemos criminalizar o ônibus”, ponderou.
Outros encaminhamentos
A audiência pública também teve como encaminhamento a proposta de criação de um grupo permanente sobre segurança no transporte coletivo, envolvendo os participantes da audiência. Também foi encaminhado a sugestão de ampliação do videomonitoramento para 100% da frota de ônibus de Curitiba, a adoção de reconhecimento facial e interligação das empresas de ônibus com as polícias e a inserção de policiais civis nos coletivos, à paisana.
Também participaram da audiência Cleverson Rodrigues Machado, tenente-coronel da Polícia Militar do Paraná; Marcel Cabral Costa, coordenador do Detran; Ygor Nasser Salah Salmen, presidente da Comissão de Segurança Pública da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná (OAB/PR), Karla Pereira Coelho Martins, diretora da Comissão de Direito de Trânsito, Transporte e Mobilidade Urbana da OAB/PR; e o vereador Kelvin Michael da Silva, de Piên.