09/03/2009 18h29 | por Zé Beto Maciel/Daniel Abreu / h2foz@hotmail.com – contato@luizromanelli.com.br – daniel@luizromanelli.com.br / (41)9241-2401/(41)3350-4120 / www.luizr
O deputado Luiz Claudio Romanelli (PMDB), líder do Governo na Assembleia Legislativa, aprovou requerimento de registro nos anais do legislativo do artigo “Democracia ou desrespeito ao voto”, do advogado Victor Gabriel Rodríguez publicado no último dia 3 de março no jornal Folha de S. Paulo. Rodríguez questiona as decisões do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) a respeito das cassações dos governadores Jackson Lago (PDT-MA) e Cássio Cunha Lima (PSDB-PB). “É um bom momento de reflexão já que há em curso um processo de judicialização da política e, ao meu ver, um desrespeito às decisões do voto popular, dos legislativos”, destacou Romanelli. “A mudança de governo no Estado da Paraíba e a quase anunciada troca de poder no Maranhão, pela força de decisões do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), desvelam questões que não têm sido discutidas com a devida eficiência”, diz Rodríguez no artigo.O advogado sustenta, que nesses casos, “a balança começa a se desequilibrar já quando se nota que, nos recursos contra expedição de diploma e afins - ao contrário do que ocorre em um processo-crime, mesmo eleitoral-, há um interessado, alguém que, coloquialmente dizendo, lucra com a condenação alheia”.“Entenda-se que quem move tal ação eleitoral não é o Ministério Público, a quem ali incumbe pouco mais do que fiscalizar, mas a coligação preterida nas urnas. Duas partes digladiam-se: a coligação que pretende o poder e aquela que não o quer perder”, adianta.Leia a seguir o artigo na íntegra.Democracia ou desrespeito ao voto? por Víctor Gabriel RodríguezNa destituição, por ordem do tribunal, do governador, a sensação do rigor não se compensa pelo dissabor do ataque à soberania do voto A mudança de governo no Estado da Paraíba e a quase anunciada troca de poder no Maranhão, pela força de decisões do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), desvelam questões que não têm sido discutidas com a devida eficiência.Demonstro que, tal como tracejada a tutela dos direitos eleitorais pelo Judiciário, suas decisões, por mais bem intencionadas que sejam, podem apresentar consequências deletérias ao contexto democrático.Não posso criticar a intervenção do Poder Judiciário no processo eleitoral direto porque fazer cumprir leis, após observação rigorosa dos direitos de defesa, como tem ocorrido, compõe interesse público. E tal interesse, reto, suplanta qualquer proveito político-partidário. Nesse ponto, o rigor com que tem agido o Tribunal Superior Eleitoral dá prova do desapego à opinião pública, virtude da Justiça.Tampouco passa despercebida a força exemplar intrínseca às sentenças severas, a projetar para o futuro suas consequências. Trata-se de um efeito próximo ao que, no Direito Penal, se chama prevenção geral negativa: a extrusão, pelo tribunal, de administradores públicos que atuaram irregularmente nas campanhas eleitorais disciplinará os próximos pleitos, por conta do medo difuso de se receber punição análoga. Creio ser esse efeito pedagógico o principal móvel do rigor que os julgamentos eleitorais assumiram de tempos para cá.Apenas arguo se é recomendável a exclusão "ex post", ou seja, posterior ao pleito, do ocupante do cargo político, vencedor no escrutínio. A justiça dessa decisão parece-me falhar nos meios e nos fins.Porque a balança começa a se desequilibrar já quando se nota que, nos recursos contra expedição de diploma e afins - ao contrário do que ocorre em um processo-crime, mesmo eleitoral-, há um interessado, alguém que, coloquialmente dizendo, lucra com a condenação alheia.Entenda-se que quem move tal ação eleitoral não é o Ministério Público, a quem ali incumbe pouco mais do que fiscalizar, mas a coligação preterida nas urnas. Duas partes digladiam-se: a coligação que pretende o poder e aquela que não o quer perder.O desequilíbrio completa-se com a falta de paridade na averiguação da higidez de campanha: somente a parte vencedora na urna é submetida à sabatina judiciária da regularidade de campanha, enquanto a parte que pleiteia o poder, em regra, não sofre semelhante devassa. Em tempos de cifras negras de irregularidades eleitorais (que sinaliza uma lei anacrônica), surge o risco de trocar-se candidato ruim por outro pior.Com a paridade corrompida, basta lançar luz ao que resta: o que deveria ser um exercício do interesse público na regularidade de campanha transforma-se em tentativa de inversão, judicial, do pleito popular - uma nova disputa, em novo tablado, mas com as mesmas regras. Explico: como um microssistema, o discurso de advogados não é em quase nada distinto do discurso publicitário. Mudando-se o público e a linguagem, a tribuna preserva parte das fissuras da campanha eleitoral: discursos emocionalmente persuasivos, argumentos de autoridade, influências e até problemas não muito distintos em relação ao financiamento de seus protagonistas.As vicissitudes seguem as mesmas, a não ser que se assuma que os juízes têm convicção mais legítima, porque muito mais ilustrados. Mas essa afirmação é ainda mais arriscada, pois enfrenta até mesmo a razoabilidade: para se comprometer a capacidade de decisão do ser humano, por exemplo, no Direito Penal, é necessário que ele seja de todo alienado ou esteja sob coação irresistível -e não é essa a situação do eleitor que elegeu candidato usurpador da máquina pública ou corruptor dos meios de imprensa. Os motivos para declarar-se que um eleitor decidiu de forma não-livre, em voto secreto, devem ultrapassar a propaganda abusiva, sob pena de menosprezo à capacidade de livre-arbítrio.Se os meios estão desequilibrados, os fins tampouco os compensam. Fácil é notar que, no processo de destituição de um governador por ordem do tribunal, a boa sensação do rigor com a regularidade das campanhas políticas não é compensada pelo dissabor do ataque à soberania do voto.Quando se leva em conta, ainda, que muitas vezes o voto do eleitor consiste em uma decisão negativa, ou seja, a decisão sobre quem não deve ser eleito, a diplomação desse negativado pelo escrutínio popular soará a afronta.Não se pretende que o Ministério Público e o Poder Judiciário curvem-se ao pouco caso que candidatos fazem às leis do voto. Mas há de se advertir para consequências sistêmicas do desfazimento da decisão popular. Víctor Gabriel Rodríguez, advogado, é professor doutor do Departamento de Direito Público da FDRP-USP (Faculdade de Direito de Ribeirão Preto). É autor de “Argumentação Jurídica” e de “Tutela Penal da Intimidade”.