
Às vésperas do Dia Internacional de Combate às Drogas, neste 26 de junho, a Assembleia Legislativa do Paraná se aprofundou em um aspecto complexo sobre o tema: como garantir que os recursos públicos destinados ao acolhimento de dependentes químicos sejam investidos de forma responsável, em instituições que atuem com dignidade, eficiência e com respeito aos direitos humanos? O desafio foi foco de uma audiência pública proposta pelo deputado Delegado Tito Barichello (União).
O evento lotou o Plenarinho nesta quarta-feira (25) e contou com representantes de entidades, do Poder Público e especialistas na área de dependência química e saúde mental para tratar do financiamento estadual das comunidades terapêuticas (CTs).
Segundo Barichello, a pauta é considerada estratégica no enfrentamento da dependência química no estado, especialmente diante do aumento da demanda por acolhimento em comunidades terapêuticas. Além disso, o debate se torna ainda mais relevante frente às denúncias de irregularidades em algumas instituições e à necessidade de regulamentar melhor os critérios de qualidade e de monitoramento.
“E mais do que trazer soluções, a audiência serviu para escutar as comunidades terapêuticas que fazem o trabalho que é uma obrigação de Estado, e o fazem muito bem porque conhecem os reais problemas. Vamos produzir uma ata e encaminhar os pontos levantados ao governo estadual, municipal e federal. E também no tocante à questão legislativa e dos investimentos”, afirmou o parlamentar.
Porta giratória
Para o presidente do Comitê Científico da Federação Mundial de Comunidades Terapêuticas (WFTC), o uruguaio Pablo Kurlander, fala-se muito em aumentar o financiamento e não em aumentar a qualidade. “Não há um número exato, mas devem ter 100 mil pessoas em comunidades terapêuticas neste momento no Brasil, que é o país com mais CTs no mundo. Dessas, quantas pessoas vão sair bem? Senão, estamos financiando o tratamento das mesmas pessoas. Entra, sai, tem uma recaída e retorna. É o que se chama efeito porta giratória”, explicou.
O especialista aponta que um dos principais problemas no Brasil em relação às comunidades terapêuticas é a questão da religiosidade. “Historicamente, muitas fazem unicamente o serviço religioso. Mas a pessoa não vai lá para se converter, vai para fazer um tratamento. Podem oferecer esse atendimento, mas não é a finalidade. Pois, quando isso é imposto, esbarra muito nos direitos humanos”, afirmou, acrescentando que comunidades unicamente religiosas muitas vezes não possuem uma equipe permanente multidisciplinar, atuando basicamente com voluntários.
Pesquisa internacional apresentada por Kurlander mostrou que apenas um em cada sete homens tem acesso ao tratamento e, em relação às mulheres, o número é pior ainda: uma a cada 18. Dados que reforçam a relevância das comunidades terapêuticas.
Em relação ao financiamento, ele citou que o país luta para alcançar o montante de R$ 300 milhões para investir, enquanto os Estados Unidos, por exemplo, destinam US$ 11 bilhões (cerca de R$ 60,6 bilhões). “No Brasil, cada estado, município, cada governo financia. É uma batata quente que ninguém assume. Não existe política pública, e sim de governo”, completou.
Prevenção, cuidado e reinserção
Diretor de Políticas sobre Drogas da Prefeitura de Curitiba, Thiago Ferro defendeu o tripé formado por prevenção, cuidado e reinserção. “Muitas pessoas que estão em situação de rua dependem disso. E, quando conseguimos discutir a questão do encaminhamento de valores para comunidades terapêuticas, que fazem esse trabalho com tanta excelência, é fundamental, obviamente, ouvir essas instituições, as suas sugestões e dúvidas para um processo mais coeso e com sucesso”, reforçou.
Agente de polícia judiciária e por muitos anos na Divisão de Narcóticos, a assessora do Centro Estadual de Política sobre Drogas, Alice Santos Bueno, contou que a nova função lhe fez trabalhar com o lado do ser humano e não apenas na repressão. “A política pública tem avançado muito no tratamento e acolhimento. Busca-se que o Paraná seja uma referência em boas práticas e que o serviço seja desenvolvido com excelência”, disse. Ela explicou que, em 2024, foram definidos critérios mínimos e exigências normativas que se transformaram em uma nota técnica, considerando pontos como o corpo técnico, a metodologia adotada, a infraestrutura e a garantia dos direitos do acolhido.
A vereadora Delegada Tathiana Guzella ressaltou que as comunidades terapêuticas podem receber tanto dinheiro público como também verbas de filantropia, de empresas e de pessoas físicas. “Elas trazem a expertise na excelência no atendimento que o poder público hoje não é capaz de oferecer nas suas mais diversas formas, em especial aos mais carentes, que nem sempre têm condições de arcar com os tratamentos longos”, ponderou. Segundo a vereadora, “há 8 milhões de dependentes declarados no Brasil, 30 milhões de pessoas convivem com algum familiar que usa drogas e 50% da população de rua está no alcoolismo ou na drogadição”.
O conselheiro da Federação Brasileira das Comunidades Terapêuticas (FEBRACT), Edson Eckel, disse que o objetivo da entidade é ter uma rede de atendimento, porque a adicção “é mais do que uma doença, é um transtorno”. Ele também detalhou o sistema de monitoramento das comunidades terapêuticas, incluindo acompanhamento pós-tratamento. “O tempo de permanência na CT está associado com a reinserção no desligamento, por isso a diversidade de atividades ofertadas é fundamental”, acrescentou.
O presidente da Comissão de Política sobre Drogas da OAB/PR e representante da Federação Paranaense das Comunidades Terapêuticas (FEPACT), Luis Carlos Hauer, considera que “70% dos locais que se denominam comunidades terapêuticas podem fechar, porque não oferecem tratamento e cuidado dignos.” Para ele, certificar as entidades é bom, mas fiscalizar é ainda melhor.