
A consolidação de iniciativas que garantem acesso à saúde para moradores de regiões longínquas do litoral paranaense foi discutida na tarde desta quarta-feira (21), na Assembleia Legislativa do Paraná. A audiência pública "Projeto de Saúde no Litoral", promovida pelo deputado Goura (PDT), aproximou gestores de saúde, moradores e projetos de extensão em prol da facilitação ao direito de saúde de quem mora a muitas horas de distâncias de hospitais.
Os municípios de Guaraqueçaba e Paranaguá receberam enfoque especial – o primeiro conta com 26 ilhas e 14 comunidades rurais, enquanto o segundo soma sete comunidades marítimas. Falta de energia, estradas precárias e sem pavimentação e o uso de barcos para acessar serviços básicos de saúde estão entre os aspectos que fazem o dia a dia dessa população.
“Em Guaraqueçaba, há pelo menos oito comunidades que não têm acesso à energia elétrica hoje em dia, como Barbados, Sebuí, Ararapira e Vila Fátima”, ilustrou o deputado. “A cidade tem um dos mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do Estado. O acesso a saúde é limitado por fatores de geografia, ausência de transporte público regular, escassez de profissionais e infraestrutura”, complementou a médica Roseane Martins Fomenti, uma das convidadas.
Hoje, o serviço chega na região principalmente por projetos de extensão, na sua maioria de iniciativa da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Para Goura, é urgente que tais programas recebam maior aporte financeiro do Poder Público. "Precisamos do apoio para transporte e alimentação, por exemplo, e que esses apoios sejam constantes. Não apenas recursos eventuais, mas previsões orçamentárias" enfatizou o parlamentar.
Conforme o deputado, as demandas apresentadas na audiência serão apresentadas à Secretaria de Saúde do Paraná. O apoio do Executivo é importante para “previsibilidade e permitir que as pessoas possam se programar" para as consultas, explicou.
Goura anunciou ainda que está articulando, junto à deputada federal Carol Dartora (PT), a aquisição de uma “ambulancha” (lancha que opera como ambulância) para o município de Guaraqueçaba. O veículo deve ser pago por meio de emenda parlamentar. “Está quase certo. É uma articulação conjunta entre os dois mandatos que deve se concretizar nos próximos meses”.
Projetos que fazem a diferença
A plateia do Auditório Legislativo estava ocupada por estudantes, pesquisadores e servidores públicos que percorrem horas de estrada e mar, desembarcando nas comunidades para fornecer tratamento odontológico, cirurgias ambulatoriais, atendimentos médicos, manejo de animais e serviços que permitem os moradores exercerem a cidadania. O tempo dos trajetos de Curitiba até as ilhas chega a somar cinco horas.
Fernanda Moura D’Almeida Mirando, professora do Departamento de Enfermagem da UFPR, explicou como funciona o Projeto Saúde nas Ilhas. Os 16 participantes, na sua maioria estudantes de cursos da saúde, realizam consultas médicas, palestras e outras ações para combater quadros como hipertensão, diabetes e dengue entre os habitantes da Ilha do Superagui, em Guaraqueçaba. Desde 2022, mais de 300 pessoas foram impactadas pela iniciativa – o território soma cerca de 700 moradores.
Por sua vez, o projeto Cirurgilhas é responsável por organizar mutirões de procedimentos ambulatoriais em Guaraqueçaba. “Começamos as triagens pela manhã. Quem não pode voltar no dia seguinte, é operado na tarde do mesmo dia [da triagem]. Temos pacientes que vêm remando até nós”, contou a professora Silvania Pimentel, do Departamento de Cirurgia da UFPR.
Desde 2023, os integrantes realizam remoção de lipomas, acrocórdons, cistos, entre outras, em ilhas como Ararapira, Superagui, Tagaçaba e outras. “Como a maioria dessa população trabalha na pesca e em outras atividades de exposição ao sol, há muita predisposição para câncer de pele”, explicou Pimentel. Ao todo, sete casos de câncer de pele foram identificados até então – os membros realizaram a retirada das lesões.
Também foi apresentado o projeto Barco Sorriso, que leva desde 2013 serviços como tratamento de canal, periodontal, além de outras operações odontológicas aos ilhéus guaraqueçabanos. Conforme a médica Roseane Martins Fomenti, coordenadora do programa, 60% das crianças da região já tiveram dor de dente. O número chega a ser quatro vezes maior do que a média brasileira, estimada em 15%. Oito a cada dez crianças têm cáries em dentes de leite e 46% - quase metade - em dentes definitivos.
“Esses dados nos colocam frente a uma realidade dura: criança com dor crônica, sem acesso a serviço regular odontológico e convivendo com problemas previsíveis", lamentou a médica.
Coordenador do Barco Saúde Única, Aaronson Ramathan Freitas destacou a importância da iniciativa, fruto da parceria entre a UFPR e a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Ao realizar o manejo de animais nas ilhas de Guaraqueçaba, por meio de ações como mutirões de castração, o projeto atua para reduzir zoonoses, fortalecer o meio ambiente e o turismo local.
As servidoras da Justiça Federal do Paraná, Ana Elisa Freitas e Kely Cristina Laurentino apresentaram o Projeto Aproxima. Ele nasceu após o Fórum de Paranaguá apontar as dificuldades dos ilhéus em serem periciados pela Justiça no centro do município. O programa cresceu até virar um grande facilitador da cidadania.
"Convidamos diferentes instituições e levamos às ilhas órgãos como Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Defensoria Pública do Estado (DPE-PR) e da União (DPU), Fiocruz, Receita Federal, Procuradoria”, ilustrou Laurentino. Desde março do ano passado, cerca de 1600 famílias foram atendidas.
Camila Girardi Fachi, vice-reitora da UFPR, destacou a importância da extensão universitária, “a principal porta da universidade para a sociedade”. Ela anunciou que a instituição está criando uma liga de saúde indígena e um curso de pedagogia para moradores da Ilha da Cotinga. No entanto, citou desafios orçamentários que dificultam a realização dos projetos.
Desafio diário
A audiência também reuniu servidores de diferentes esferas do Poder Público. Cleide de Fátima Padilha, enfermeira da prefeitura de Guaraqueçaba, afirmou que há moradores longínquos que ficam a quatro horas do único hospital instalado na cidade. "Esses projetos estão melhorando a qualidade de vida em comunidades que não tem acesso", disse, emocionada.
Patrícia Scacalossi, secretária de Saúde da Prefeitura Municipal de Paranaguá, utilizou o seu tempo de fala para destacar iniciativas municipais que transportam enfermeiros e técnicos de enfermagem para atender as comunidades marítimas e a Ilha do Mel. Elas também entregam medicamentos, evitando que os ilhéus tenham que se locomover até o continente.
“Muitas vezes, os moradores eram atendidos nas ilhas, mas não vinham às unidades para buscar tratamento ou medicamento. Não havia mudança na condição de saúde", lembrou. "Hoje temos dificuldade em relação a médicos especialistas. Procuramos priorizar a atenção primária, evitando assim que os problemas se agravem e aumentem as longas filas de especialidades".
Víctor Vitelcí de Souza Alves, procurador-geral de Guaraqueçaba, enfatizou que as iniciativas que promovem o direito à saúde “são muitos mais que projetos de extensão".
Camile Lugarini, chefe do Núcleo de Gestão Integrada (NGI) Antonina-Guaraqueçaba do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (ICMBio), listou dilemas ambientais da região, como a proliferação de gatos ferais – que possuem com comportamentos semelhantes aos de um felino selvagem. Também citou que, em 2023, o Parque Nacional do Superagui foi a única unidade de conservação do Paraná que teve caso de gripe aviária.
As defensoras públicas Fabíola Parreira Camela e Camille Vieira da Costa, da DPE-PR, ressaltaram a atuação do órgão no combate à falta de saneamento básico e a ausência de energia elétrica nas ilhas. Bem como na promoção aos direitos das famílias hipossuficientes da região.
Moradores
Por meio de videochamada, os moradores das regiões marítimas trouxeram contribuições para a audiência pública. Ilza Cunha Florentino, que vive em Poruquara, vila de Guaraqueçaba com 50 moradores, listou dificuldades como a impossibilidade de locomoção ao Centro em períodos de seca e a urgência da construção de uma estrada que permita acesso terrestre.
Aparecida Camargo, agente comunitária de Saúde em Guaraqueçaba, acompanhou a evolução das extensões e reforçou o papel dos profissionais de saúde em interligar moradores às iniciativas. "Esses projetos levam um Sistema Único de Saúde (SUS) que desejamos: amoroso e que alcança as necessidades das pessoas".
O casal de artesãos Renato Pereira de Siqueira e Andressa Gonçalves, moradores da Ilha das Peças, na Baía de Paranaguá, ressaltaram o impacto positivo dos projetos nas comunidades.
"Antigamente era um sonho. Parecia que trazer uma equipe de dentistas era impossível. Mas trabalhamos e tornamos realidade”, afirmou Renato. “É importante ter esperança e acreditar no coletivo que dá certo", concluiu.