Violência histórica contra o povo Xetá foi tema de Audiência Pública realizada na Assembleia A população indígena no estado do Paraná é de 30.460 pessoas, segundo o último censo divulgado pelo IBGE, representando 0,27% da população do estado.

09/04/2024 21h55 | por Nádia Fontana
Audiência ocorreu no Plenarinho da Assembleia Legislativa na noite desta terça-feira (9).

Audiência ocorreu no Plenarinho da Assembleia Legislativa na noite desta terça-feira (9).Créditos: Valdir Amaral/Alep

Audiência ocorreu no Plenarinho da Assembleia Legislativa na noite desta terça-feira (9).

As perspectivas de futuro dos Xetá, etnia dos povos originários que está desaparecendo do Paraná, foi tema de uma audiência pública realizada na noite desta terça-feira (9), na Assembleia Legislativa do Paraná. O caso dos Xetá já foi reconhecido como genocídio pela Comissão da Verdade Nacional e a Comissão Estadual da Verdade do Paraná, que se dedicaram a investigar o que aconteceu com os indígenas brasileiros, e encontraram relatos de assassinatos por tiros, envenenamento e sequestro de crianças em pleno Século XX.

“Meu povo é um povo sofrido, foram separados”, afirmou o cacique Júlio Cezar da Silva, da aldeia indígena São Jerônimo, localizada no município de São Jerônimo da Serra, no Norte do Paraná. Descendente dos Xetá, hoje é professor na comunidade e luta para “dar visibilidade ao nosso povo” e garantir a demarcação da terra indígena. O cacique é filho de Tikuein, um índio Xetá, que ficou conhecido como “o homem que falava com o espelho”, contou Júlio Cezar. Quando foi resgatado da mata, ninguém da aldeia falava Xetá: só Guarani e Kaingang. Então, Tikuein não tinha mais com quem trocar ideias no seu próprio idioma. Conversar com o espelho foi a estratégia que encontrou para ativar a memória e manter a língua viva. Na língua deles, “bom dia” é “Entxeiwi”, saudação com que, diariamente, Tikuein iniciava uma longa conversa com o espelho.

“É uma noite histórica para o nosso povo”, garantiu Indioara Luiz Paraná Xetá, liderança da aldeia Kakané Porã, que, igualmente, lamentou o extermínio do seu povo. “Meu pai, meu tio, eles morreram com o desejo de reunir todos, para preservar a nossa cultura. Nós estamos aqui lutando para preservar a nossa cultura e ensinar a importância de ser Xetá”, frisou. “Por culpa do ‘não índio’ não consegui conhecer e conviver com minha família”, disse ela, num depoimento emocionado. Na opinião de Indioara, se não tivesse sido permitido pelos governos o genocídio do seu povo, hoje não haveria necessidade de pedir essa reparação histórica. “Estamos lutando pelo que é nosso, por nossa terra”, acrescentou.

O deputado Renato Freitas (PT), presidente da Comissão de Igualdade Racial, que promoveu a reunião intitulada “Garantia de vida e território dos povos originários Xetá”, que lotou o Auditório Legislativo e contou com a presença de lideranças e autoridades, destacou a importância de coibir as desigualdades e de buscar soluções para essa população. Ele lembrou que o povo Xetá, reconhecido como o último grupo indígena a ter contato com a invasão colonizadora no sul do território brasileiro, possui uma história marcada por resistência e resiliência frente a episódios de violência e expropriação de suas terras ancestrais. O parlamentar considera fundamental o mapeamento e a reivindicação territorial originária para a etnia, bem como, a preservação da cultura indígena. Originalmente, a terra Xetá está localizada na Serra dos Dourados (PR).

“O povo Xetá nunca foi reparado”, afirmou o pesquisador Rafael Alexandre Pacheco, do Centro de Estudos Ameríndios e doutorando no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, da Universidade de São Paulo (USP). Em seu pronunciamento Pacheco abordou uma série de atos dos governos que provocaram o esbulho das terras Xetá, iniciando com o Acordo de 1949. Ele disse que sua intervenção era feita com a disposição de contribuir com o debate e com soluções para essa situação da comunidade Xetá. Doutor em Geografia, Eliel Benites, diretor do Departamento de Línguas e Memórias Indígenas, do Ministério dos Povos Indígenas, definiu como positivo o debate para o fortalecimento das políticas públicas. Os Xetá foram a última etnia do estado do Paraná a entrar em contato com os colonizadores. Na década de 40, frentes de colonização invadiram seu território, reduzindo-o drasticamente. No final dos anos 50, estavam praticamente exterminados. Hoje, vivem dispersos nos estados do Paraná, Santa Catarina e São Paulo.

Conselho – “Temos que analisar o volume de pessoas que formam essa etnia”, disse o presidente do Conselho Estadual dos Povos Indígenas do Paraná, Mauro Rockenbach, assessor especial do governador Carlos Massa Ratinho Júnior, que falou sobre a importância da luta do povo indígena para alcançar seus direitos e da disposição do Governo em estimular a participação das lideranças nas decisões. A criação do Conselho, pleiteado há quase 20 anos, foi aprovada pela Assembleia Legislativa e implementado pelo Governo do Estado no ano passado.  Também para o antropólogo e indigenista Felipe Kamaroski, coordenador das políticas dos povos e comunidades tradicionais da Secretária da Mulher, Igualdade Racial e Pessoa Idosa, há uma grande disposição do Governo do Estado em desenvolver políticas públicas, elaboradas em conjunto com os povos originários. Ele enfatizou a importância da criação do Conselho Estadual para o encaminhamento dos direitos dos povos originários. A proposta do conselho é formular a política estadual para povos indígenas, para incentivar a continuidade e a revitalização cultural dessas comunidades, como está previsto na Constituição Federal.

O marco temporal foi tema tratado pelo advogado Marco Alexandre Souza Serra, da Associação Indígena da Etnia Xetá (AIEX), professor da Faculdade de Maringá e pesquisador do Observatório das Metrópoles da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Marco temporal (Lei 14.701, de 2023) é uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. De acordo com o marco temporal, para que uma área seja considerada “terra indígena tradicionalmente ocupada”, será preciso comprovar que, em 5 de outubro de 1988 (data de promulgação da Constituição), ela já era habitada pela comunidade indígena em caráter permanente e utilizada para atividades produtivas, ou já era disputada pela comunidade. Ele abordou a decisão proferida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin, no âmbito da Ação Cível Originária (ACO) 3.555, determinando o encaminhamento dos autos para conciliação, na tentativa de uma solução pacífica para região, face o agravamento dos conflitos com os últimos atentados ocorridos. Na ACO as comunidades indígenas Avá-Guarani, do Oeste do Paraná, narram que ataques recentes de violência agravaram a situação de vulnerabilidade e a insegurança alimentar dos indígenas e que decisões judiciais suspenderam o próprio processo de demarcação sem a participação ou intimação das comunidades. Entretanto, no último dia 5 de abril, os ministros do STF reverteram a liminar do ministro Fachin e decidiram acionaram a Comissão Nacional de Soluções Fundiárias do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para buscar consenso sobre a questão.

Genocídio – Um documento do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organismo vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), publicado em fevereiro deste ano, registra o seguinte: “falantes de uma língua do tronco Tupi-Guarani, os Xetá foram praticamente dizimados – restando, até onde se sabe, apenas oito crianças do povo –, em decorrência do avanço da frente cafeeira sobre o seu território, entre as décadas de 1940 e 1960. Esse caso foi, inclusive, reconhecido como genocídio pelos relatórios da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e pela Comissão Estadual da Verdade do Paraná. Na ocasião, indígenas do povo foram mortos, transferidos de maneira forçada para outros locais e submetidos a lesões graves à integridade física e mental – incluindo crianças. Tudo isso com a conivência e apoio do antigo Serviço de Proteção aos Índios (SPI) – atual Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai)”, frisa a publicação.

O relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), divulgado ainda em 2014, chamava a atenção para a situação dos Xetá. Foi inseriu no volume II, assinado por Maria Rita Kehl, o capítulo “Violações de direitos humanos dos povos indígenas”. O documento apresenta, ao longo de 60 páginas, um número limitado de casos de violações de direitos contra povos indígenas, entre eles: o esbulho dos territórios Ava-Guarani, Guarani Kaiowá, no noroeste do Paraná e no sul do Mato Grosso do Sul, respectivamente; a emissão de certidões negativas sobre os territórios dos Nambikwara (MT); os processos de desagregação social e extermínio dos Xetá (PR), Tapayuna (MT) e Avá-Canoeiro (TO); as mortandades causadas pela construção estradas e hidrelétricas entre os Panará (MT), Parakanã (PA), Akrãtikatejê (PA), Yanomami (RR) e Waimiri-Atroari (AM).

Quem são?  Primeiros habitantes do território brasileiros, os indígenas ocuparam o Brasil antes da chegada dos europeus. Por isso, são denominados hoje de povos originários. Foram os primeiros habitantes do país, com forma de organização social e cultura exclusivas ao seu grupo. Eles representam 0,4% da população total do país, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São mais de 300 povos, que falam mais de 270 línguas.

Dados do Censo de 2022, divulgados no ano passado pelo IBGE, apontam que a população indígena no estado do Paraná é de 30.460 pessoas. A pesquisa indicou que 13.887 (45,59% do total de indígenas) deles se encontram em terras indígenas, bem como 16.573 (54,41% do total de indígenas) residem foram de territórios tradicionais. Destaques para as comunidades de Rio das Cobras, na região Centro-Sul do Estado, a maior terra indígena paranaense e a 50ª maior do País, segundo o Censo, com 3.102 pessoas. A segunda maior é a Terra de Mangueirinha, no Sudoeste, com 1.994. Na sequência estão Ivaí, com 1.886 indígenas, Apucarana, com 1.636 pessoas, e Palmas, com 725.

O número total de indígenas representa 0,27% da população paranaense, que é de 11.443.208 habitantes. Dos 399 municípios paranaenses, 178 apresentaram aumento das suas populações indígenas, segundo o Censo de 2022. São 345 cidades com registro de ao menos um indígena autodeclarado – 86% do total. O Paraná tem a 14º maior população indígena do país e a segunda maior a região Sul, atrás de Rio Grande do Sul, com 36.096 pessoas (evolução de 6,1% em relação aos 34.001 de 2010), e à frente de Santa Catarina, que tem 21.541 indígenas (aumento de 18,2% em relação aos 18.213 de 2010).

A audiência pública aconteceu no período do Abril Indígena, movimento nacional de valorização, luta e visibilidade dos povos originários; e quando é celebrado o 19 de abril, Dia dos Povos Indígenas. Desde 2022, essa tradicional data já mudou de nome, conforme, define a Lei federal 14.402/22. A alteração tem o objetivo de explicitar a diversidade das culturas dos povos originários.

Também participaram da audiência o procurador de Justiça, Olympio de Sá Sotto Maior Neto, do Ministério Público do Paraná, que foi o coordenador da Comissão da Verdade do Estado; o indigenista e mestre em Antropologia Social, Mauro Leno, coordenador da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai, regional de Curitiba); e, por videoconferência, falaram o indigenista Paulo Porto, coordenador de programas de sustentabilidade da Itaipu Binacional; e o procurador Raphael Otávio Bueno dos Santos, do Ministério Público Federal (MPF). O procurador tratou dos andamentos das ações judiciais que envolvem a demarcação da Terra Indígena Herarekã Xetá, bem como as implicações do marco temporal.

Transmitida ao vivo pela TV Assembleia e redes sociais, a audiência pública pode ser assistida no canal oficial do YouTube da Assembleia, clicando no seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=v030liYZ2vU

 

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