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Palestras na Assembleia Legislativa destacam os 100 anos do fim da Guerra do Contestado

20/10/2016 17:38 01/05/2025 05:43 Por Sandra C. Pacheco
A foto do sueco Claro Jansson retrata um grupo de revoltosos que participaram da Guerra do Contestado no início do século XX. / Foto: Claro Jansson / Acervo Dorathy Jansson Moretti

A foto do sueco Claro Jansson retrata um grupo de revoltosos que participaram da Guerra do Contestado no início do século XX. / Foto: Claro Jansson / Acervo Dorathy Jansson Moretti

Há exatos 100 anos, em 20 de outubro de 1916, era assinado o Acordo de Limites entre o Paraná e Santa Catarina, colocando um ponto final ao conflito de divisas territoriais que alimentou um dos mais sangrentos embates desse tipo registrados no país e que chegou a ser comparado, por suas características, à também terrível Guerra dos Canudos, ocorrida anos antes na Bahia. O assunto será tema de duas palestras promovidas pela Escola do Legislativo da Assembleia do Paraná, na próxima quarta-feira (26), às 9h30, em seu Plenarinho. O presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça, Paulo Roberto Hapner, vai falar sobre o “Centenário do Acordo de Limites”, e o professor de História há mais de 30 anos, mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná, Renato Mocellin, vai desenvolver o tema “Para compreender a guerra dos pelados X peludos”

Um livro, “Revelando o Contestado”, coordenado e organizado pelo jornalista Jorge Narozniak, ex-funcionário da Alep, e editado pela Imprensa Oficial do Estado em 2012, registra o primoroso trabalho fotográfico do sueco Claro Jansson sobre o Contestado. Narozniak, um dedicado pesquisador do assunto, expressou na ocasião seu estranhamento em relação ao que chamou de “distanciamento incompreensível” do Paraná e sua história: “Há registros das forças armadas sobre a guerra, mas os caboclos não tinham relatórios sobre sua participação nos fatos. Isso explica porque até pouco tempo, eles eram simplesmente classificados como fanáticos”.

O conflito – A indefinição dos limites territoriais entre os dois estados se arrastava desde os idos do Império. Até a vizinha Argentina reclamava a posse de áreas localizadas nessa região. Em 1904 o Supremo Tribunal Federal deu ganho de causa aos catarinenses e reafirmou a decisão nos anos seguintes. A sentença, porém, foi ignorada pelo governo do Paraná, ajudando a compor um cenário que favoreceu a conflagração.

As terras abrigavam uma rica floresta e extensa plantação de erva-mate. Abastados fazendeiros que acumulavam extensas áreas e assim se tornavam proprietários, pressionavam agregados e posseiros para que deixassem o local. A situação se agravou com a chegada da empresa americana Brazil Railway Company, comandada pelo megaempresário Percival Farquhar, com o intuito de construir a estrada de ferro São Paulo-Rio Grande do Sul. Ali ele instalou a maior madeireira da América do Sul na época e uma companhia colonizadora que, após o desmate, venderia os lotes a imigrantes europeus. Concluídas as obras, cerca de oito mil operários foram dispensados e famílias que moravam nas terras adquiridas pela companhia tiveram que deixar o lugar.

Nesse grave quadro social prosperou um movimento de cunho messiânico, com profetas, beatos e monges pregando ideais de paz, justiça e comunhão. Dentre eles destacou-se João Maria, que reuniu em torno de si posseiros, sitiantes e pequenos lavradores expulsos de suas áreas. Fugindo das forças policiais enviadas pelo governo catarinense, os rebeldes foram para Irani (SC), situada em território contestado. O movimento foi interpretado pelo Paraná como uma investida catarinense para forçar a posse do território, o que fez com que enviasse um destacamento para expulsar os invasores. Em outubro de 1912 a ação terminou de forma trágica, com 21 mortos, entre eles o monge José Maria e o comandante das forças de segurança do Paraná, coronel João Gualberto.  

A partir daí o conflito só se intensificou, juntando antigos seguidores do monge com descontentes em geral, colonos expulsos, fazendeiros que se opunham aos coronéis da época, tropeiros sem trabalho, desempregados da ferrovia e até ex-combatentes da Revolução Federalista (1893-1895). Segundo o historiador Paulo Pinheiro Machado, autor do livro “Lideranças do Contestado”, num determinado momento o litígio tornou-se uma guerra de pobres contra ricos: “Uma guerra daqueles que queriam formar suas comunidades autônomas, onde todos viveriam em comunhão de bens, o que era uma negação da própria ordem republicana, da concentração fundiária, do poder dos coronéis da Guarda Nacional e da força da polícia, do Exército e da companhia ferroviária sobre eles”.

Expedições militares tentaram desmobilizar o movimento que só fazia crescer. O ataque ao reduto de Taquaruçu resultou num verdadeiro massacre. Novos redutos se formaram e o movimento se militarizou. Os últimos combates ocorreram em dezembro de 1915. A captura de Adeodato Ramos, o ultimo e mais temido dos líderes rebelados, marcou o encerramento dos confrontos no inverno de 1916. Em outubro deu-se a assinatura do acordo. Pressionados pelo presidente Wenceslau Braz, cada estado teve que abrir mão de parte de seus pleitos. A partilha foi considerada favorável aos catarinenses, que ficaram com 28 mil dos 48 mil quilômetros quadrados da área reivindicada.

Na assinatura do acordo, no Palácio do Catete, no Rio – então capital federal – o governador de Santa Catarina, Felipe Schmidt, comemorou a paz. O governador do Paraná, Affonso Camargo, fez o mesmo, mas deixou claro o ressentimento com um desfecho que considerava injusto. Observou que sua decisão se prendia à necessidade urgente de encerrar uma “luta fratricida sem precedentes”: “Ali caíram sem vida oficiais do Exército, bravos soldados das forças nacionais e estaduais e milhares de sertanejos, na sua maioria laboriosos, em uma confusão desumana que dolorosamente impressionou o país”. Ao referir-se aos sertanejos, de certa forma o governador reconhecia que o movimento, hoje tido como uma das maiores revoltas camponesas já ocorridas no Brasil, era mais que uma combinação de fanatismo e banditismo, como queriam muitos.

Uma visão lúcida do conflito foi apresentada ainda na época da guerra, por um jovem comandante do Exército, o capitão Mattos Costa, que defendia uma solução pacífica para o confronto: “A revolta do Contestado é apenas uma insurreição de sertanejos espoliados nas suas terras, nos seus direitos e na sua segurança. A questão do Contestado se desfaz com um pouco de instrução e o suficiente de justiça, como um duplo produto que ela é da violência que revolta e da ignorância que não sabe outro meio de defender seu direito”. 



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