
Enfrentar a terceirização do trabalho nos setores público e privado foi tema de uma ampla audiência pública realizada na manhã desta segunda-feira (11) no Plenarinho da Assembleia Legislativa do Paraná. O evento, organizado pela Bancada da Oposição, reuniu mais de 20 pessoas, dentre representantes de entidades e sindicatos, pesquisadores e parlamentares, para dar visibilidade ao tema e recolher sugestões para reverter o aprofundamento desta modalidade de contratação.
A discussão coletiva resultou em mais de dez resoluções. Dentre elas, a criação de uma campanha estadual para pressionar o Poder Público a revogar leis que permitam a terceirização de serviços essenciais. Os encaminhamentos foram compilados em uma carta. “Ela será encaminhada ao Ministério Público do Trabalho (MPT), à Câmara Federal e ao Senado e será [parte de] um movimento nacional”, explica o deputado Arilson Chiorato (PT), líder da Bancada da Oposição.
A proteção da contratação direta e do trabalho deve ser reforçada ainda com a proposição de uma lei estadual que delimite o que são serviços públicos essenciais e atividades-fim, sugere outra reivindicação acatada. Os esforços devem ser fortalecidos ainda com a criação do “Fórum Paranaense contra a Terceirização” e a instituição de uma mesa de diálogo com representantes de diferentes órgãos públicos para avaliar impactos da terceirização no Paraná – ambos também são encaminhamentos aprovados.
“Há regras hoje que fazem com que as pessoas sejam obrigadas a aceitar uma realidade terceirizada sem ter muito o que questionar. Estamos aqui hoje para alertar que, ao longo do tempo, se perde benefícios como aposentadoria e auxílio saúde. A carga horária dos trabalhadores [terceirizados] é aumentada sem ter aumento do salário. É uma retirada de direitos”, frisou Arilson Chiorato (PT).
O deputado estadual Professor Lemos (PT) e o parlamentar federal Tadeu Veneri (PT) relembraram a aprovação da lei nº 13.429/2017, sancionada em 2017 pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), que permitiu a terceirização de atividades-fim – as consideradas essenciais ao funcionamento de órgãos públicos ou empresas. "Quando o governo do Paraná se coloca como moderno [por defender a modalidade de contratação], é fake news. A terceirização é antiga e perversa", denunciou Lemos.
Salários menores e jornadas mais intensas
A cada dez trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão, nove eram terceirizados, de acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego apresentados por Rejane Soldani Sobreiro, diretora para Assuntos Jurídicos e Direitos Humanos da União Geral dos Trabalhadores (UGT). As contratações temporárias no serviço público cresceram 1.700% entre 2003 e 2022, sendo que, nos municípios, o aumento foi de 38%. "Com a fragilização da estabilidade no serviço público, e domínio de cargos estratégicos e áreas sensíveis, você tem o esvaziamento e domínio do Estado, fragilizando a democracia”, avaliou Rejane.
A partir de uma análise da terceirização de serviços realizada nas empresas que fornecem energia elétrica, a professora Mariana Bettega Braunert, que leciona no curso de Administração da Universidade Federal do Paraná (UFPR), explicou como essa modalidade de contratação gera consequências diversas na vida dos trabalhadores. Ela detectou que funcionários terceiros recebem até metade do salário dos efetivos para efetuar trabalhos similares, enfrentam jornadas laborais que chegam a dez horas diárias e não são contemplados por benefícios como plano de saúde ou participação nos lucros. Dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) revelam que a incidência de acidentes de trabalho costuma ser até cinco vezes maior entre terceirizados.
Para a professora Maria Aparecida Bridi, que leciona no departamento de Sociologia da UFPR, a terceirização esvaziou a função do trabalho em promover a mobilidade social. “Os filhos não estão conseguindo ter uma melhor condição de vida do que os seus pais. E isso é um sinal de que temos perdido muito em termos de direitos. Estamos sofrendo um processo de regressão”, afirmou a docente. Em média, trabalhadores subcontratados recebem salários em média 24% menores, estão alheios a benefícios, submetidos a maior rotatividade e não têm tantas chances de progressão na carreira, detalhou a estudiosa.
De acordo com Sandro Silva, supervisor técnico no Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), os dados que temos hoje sobre trabalho terceirizado ainda não dão conta da realidade. É necessário aprimorar questionários e levantamentos feitos com a população para se ter um diagnóstico mais preciso do impacto dessa modalidade de contratação. “As várias pesquisas que temos, tanto as domiciliares como os registros administrativos que as empresas preenchem e mandam, não contam com esse recorte”, pontuou.
Uma das sugestões acatadas prevê a criação de uma mesa de diálogo reunindo Ministério Público do Trabalho (MPT), Conselho Estadual do Trabalho, Tribunal de Contas (TCE), entre outras entidades, para avaliar impactos da terceirização e levantar dados da terceirização no Paraná.
"Se não enfrentarmos isso, estaremos cada vez mais submetidos a essa forma de trabalho precarizante que retira direitos e que massacra o trabalhador com adoecimento. Quem não tem registro em carteira não tem direito a férias, a fim de semana, a ter uma tarde para levar os filhos ou os pais ao médico. É um trabalho que dá resposta ou não dá. E se não dá, [o trabalhador] não recebe", denunciou Marcio Killer, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Paraná.
Categorias
O impacto da terceirização em cada categoria foi esmiuçado pelas lideranças sindicais presentes. Denner Alanna e Cristiane Zacarias, presidente e diretor do Sindicato dos Bancários e Financiários de Curitiba, respectivamente, abordaram a terceirização em curso no banco Santander. Já a pejotização, cada vez mais recorrente entre trabalhadores da construção civil, foi pormenorizada por Claudio da Silva Gomes, vice-presidente da Conticom (Confederação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores nas Indústrias da Construção e da Madeira).
O programa Parceiro da Escola, sancionado pelo Executivo estadual e que terceirizou a administração de escolas da rede estadual, foi tema da fala de Walkiria Olegário Mazeto, presidente do Sindicato dos Professores e Funcionários de Escola do Paraná (APP-Sindicato).
Dentre os encaminhamentos aprovados na audiência, está uma solicitação a ser encaminhada ao ministro Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), que pede urgência na avaliação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7684, impetrada pelo PT. O partido argumenta que o projeto aplicado nas escolas paranaenses é ilegal pois "separa indevidamente os aspectos administrativos e financeiros do projeto pedagógico e cria um sistema híbrido que transfere ao ente privado o poder de decisão sobre questões cruciais da gestão escolar".
A deputada Ana Júlia (PT) frisou a importância da atuação sindical na defesa dos trabalhadores, e criticou a postura do governador Ratinho Júnior (PSD) ao evitar dialogar com as entidades de representação.
Outros encaminhamentos
Para acompanhar as tratativas, uma frente jurídica composta por representantes jurídicos dos sindicatos e do PT deve ser formada. Além disso, debates nos municípios, a distribuição de um boletim informativo aos trabalhadores sobre os trabalhos da campanha estadual e a criação do “Dia de Luta Contra a Terceirização” a ser celebrado no dia 11 de agosto, estão no horizonte proposto na audiência pública. Uma das resoluções prevê que espaços contem com a participação também de movimentos sociais que representam trabalhadores informais.
Também compuseram a mesa Dionisio Schmidt, presidente da Fetec Paraná; Nelson Silva de Souza, presidente em exercício da Força Sindical; Nilton Pereira Campos, vice-presidente da região Sul da NCST/PR; Ezequiel Romão Pereira, diretor de diversidade do Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba (SMC); Elias Hannemann Jordão, secretário de comunicação da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro; e Josimar Cecchin, presidente da Confederação Brasileira Democrática dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação (CONTAC-CUT).
AUDIÊNCIA PÚBLICA - “TERCEIRIZAÇÃO COMO FORMA DE RETIRAR DIREITOS”
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