
Garantir condições para que os jovens permaneçam no campo, com acesso à terra, educação, crédito, conectividade e políticas públicas específicas, foi o foco da audiência pública realizada nesta terça-feira (15) na Assembleia Legislativa do Paraná, em comemoração ao Dia Estadual da Juventude Rural. Mais do que uma celebração, o encontro reuniu representantes de movimentos sociais, órgãos governamentais e entidades ligadas ao setor agrícola para debater a implementação de uma versão estadual do Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural.
A data foi instituída por Lei de autoria do deputado Professor Lemos (PT), que também propôs o encontro desta terça e convocou as entidades para colaborarem com um projeto de lei que implante um plano voltado à juventude rural paranaense. “Precisamos ter a chamada sucessão familiar rural para que os nossos jovens possam permanecer no campo. Para isso, eles precisam de qualidade de vida, políticas públicas de educação, saúde, esporte, cultura, acesso à internet de banda larga, acesso a recursos para que possam se desenvolver também economicamente”, defendeu o parlamentar.
A deputada federal Carol Dartora (PT) chamou atenção para os múltiplos desafios enfrentados pelos jovens rurais. “Eles deixam o campo por falta de trabalho, de estudo, de conectividade, de lazer. É como se a vida no campo valesse menos”, criticou.
A secretária de Juventude da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores Familiares do Estado do Paraná (Fetaep), Tainá Guanini de Oliveira, destacou a importância da juventude rural para a segurança alimentar. “A agricultura familiar é responsável por cerca de 70% dos alimentos que chegam à mesa das pessoas. Por isso, a sucessão rural é essencial. Só vamos avançar na soberania alimentar e nutricional no país se tivermos gente no campo produzindo de forma saudável”, afirmou.
Neste aspecto, Lemos reforçou que o processo beneficia o campo e também quem está nas cidades. “A agricultura familiar é a que mais produz alimentos e também a que mais gera empregos no campo. Sem a sucessão, a terra se concentrará nas mãos de poucos para a produção de commodities e nós teremos de importar alimentos, que ficarão muitos mais caros”, alertou.
Para a secretária de Jovens da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), Dalila dos Santos Gonçalves, a audiência representa a luta da juventude rural do campo, das florestas e das águas. “Estamos aqui para mostrar nossa força, nossa voz e buscar políticas públicas voltadas para os mais de sete milhões de jovens entre 15 e 29 anos que vivem no campo. A permanência desses jovens depende de educação, saúde, cultura, lazer e acesso a recursos. Caso contrário, migram para os centros urbanos em busca de qualidade de vida.”
A presidente do Conselho Estadual da Juventude (Cejuv), Rulianna Caldeira, lembrou que cerca de 680 mil jovens vivem em áreas rurais no Paraná, com papel estratégico na produção alimentar. “Sem acesso ao crédito, ao lazer, à saúde e às tecnologias, estamos fadados a perder muito mais do que a força de trabalho. Estamos perdendo oportunidades de futuro.”
O superintendente regional da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Valmor Luiz Bordin, enfatizou a importância do conhecimento para que os jovens se apropriem das políticas públicas. “É por meio das associações e federações que eles conseguem acessar os mecanismos e recursos disponíveis.”
A representante da Juventude do MST, Gisele de Moura David, reforçou que não se trata apenas de produzir, mas de viver no campo e ter o direito de ser camponês e camponesa. “O desafio é garantir que o jovem possa ter acesso a crédito mesmo morando na propriedade dos pais, para também produzir e permanecer no campo.”
Para a secretária da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Vera Lúcia Manica, o plano representa uma conquista da juventude. “O direito à terra e ao território é uma questão fundamental que deve unir todos os setores em torno de um plano nacional de desenvolvimento. A sucessão rural é o que vai garantir o fortalecimento da agricultura alimentar. Temos de garantir a esses sete milhões de jovens uma perspectiva de futuro.”
Já a superintendente federal do Desenvolvimento Agrário no Paraná, Leila Aubrift Klenk, citou os avanços em programas como o financiamento da conectividade, que ajuda a reduzir a distância entre os meios urbano e rural.
O superintendente do Incra-PR, Nilton Bezerra Guedes, também ressaltou a importância da data para dar visibilidade e empoderamento à juventude rural.
O coordenador de Juventude da Fetraf, Vanderson de Andrade de Souza, destacou a importância de políticas públicas voltadas especialmente às jovens agricultoras. “A juventude rural está envelhecendo e se masculinizando porque as mulheres não veem espaço no campo.”
A presidente da União Paranaense dos Estudantes Secundaristas (UPES), Vitória Carvalho Bonfim, apontou o fechamento de escolas rurais e a dificuldade de acesso à universidade como barreiras ao desenvolvimento. “Apenas 17,3% dos jovens rurais ingressam no ensino superior. A juventude quer terra, dignidade, saúde. Essas são pautas da nossa agricultura familiar.”
Participações online
De forma virtual, o presidente da Fetaep, Alexandre Leal dos Santos, defendeu a criação de um Plano Estadual de Juventude Rural, com foco na educação e reestruturação de entidades ligadas ao setor.
A secretária de Meio Ambiente da Contag, Sandra Paula Bonetti, lembrou que o acesso à terra continua sendo uma questão urgente. “É preciso avançar tanto na reforma agrária quanto na regularização fundiária. As mudanças climáticas exigem novos modos de produzir, e isso está diretamente ligado à juventude.”
Também online, a secretária nacional de Juventude (SINJ), Mônica Buffon, detalhou a construção dos termos de adesão do Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural para estados e municípios.
“O êxodo rural precisa ser combatido com ações concretas. A juventude é presente e futuro, e uma data como esta dá voz e vez a quem trabalha no meio rural”, afirmou o secretário de Jovens da Fetaesc, Dener Civero.
A representante do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-PR), Daniele Martins, destacou a invisibilidade de parte da juventude rural, em especial os indígenas. “Trabalhamos com um rural à margem. Os jovens indígenas enfrentam altos índices de suicídio e pouco acesso a políticas públicas.”
O coordenador estadual da Federação Estadual das Casas Familiares Rurais (Fecafar-PR), Marco Antonio Geffer, citou a redução das unidades que funcionam com foco na formação profissional de jovens e adultos do meio rural. Diante do fechamento das Casas, cujo ensino é inspirado em um modelo francês, Lemos indicou que o tema deverá ser debatido em uma audiência pública no Parlamento.
Por fim, presencialmente, Cristine Xavier, do Instituto Federal do Paraná (IFPR), ressaltou o compromisso da instituição com a permanência e o êxito dos estudantes oriundos do campo. Já o coordenador da Política Estadual de Defesa dos Direitos da Juventude, Silberto Cardoso, acompanhou os debates e citou pontos da gestão estadual sobre o tema.
Direitos
Marcos importantes da luta por direitos no campo foram citados pela coordenadora jurídica do Programa Iguaçu na Terra de Direitos, Daisy Ribeiro. “A Declaração dos Direitos dos Camponeses e Camponesas da ONU e a decisão da Corte Interamericana dos Direitos Humanos no caso Antônio Tavares, reconhecem a legitimidade das reivindicações da população do campo”, pontuou
A decisão citada trata da morte do agricultor em maio de 2000, quando aproximadamente 50 ônibus com trabalhadores rurais se deslocaram para Curitiba, para participar de uma marcha pela reforma agrária. Segundo publicação do Tribunal de Justiça do Paraná, em um dos bloqueios polícias em rodovias, “aconteceram disparos de armas de fogo, sendo que um dos projéteis de um soldado da PM ricocheteou no chão e atingiu Antônio Tavares Pereira no abdômen. A polícia não socorreu o manifestante, que foi levado para o Hospital do Trabalhador por um casal que passava pelo local de carro”.
A sentença, proferida pela Corte em 2023, considerou o Estado brasileiro culpado pela violação de diversos direitos.