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Audiência debate como avançar na regularização fundiária de moradores tradicionais do Parque Nacional de Superagui

Autoridades e comunidades tradicionais se debruçaram sobre conclusões do projeto Território Caiçara, que mapeou uso da região. Parque Nacional do Superagui contém a maior área remanescente da Mata Atlântica no Brasil.

Audiência ocorreu no Auditório Legislativo, na tarde desta quinta-feira (5).
Audiência ocorreu no Auditório Legislativo, na tarde desta quinta-feira (5). Créditos: Orlando Kissner/Alep

A regularização fundiária de 18 comunidades tradicionais que vivem dentro e em áreas adjacentes ao Parque Nacional do Superagui, no Litoral do Paraná, tal como a realização deste processo de forma sustentável foi tema de uma audiência pública realizada nesta quinta-feira (5) no Auditório Legislativo. O evento foi proposto e presidido pelo deputado Goura (PDT), 5º Secretário da Assembleia Legislativa do Paraná.

A discussão partiu das conclusões do projeto Território Caiçara, conduzido por pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR). De forma pioneira, a iniciativa investigou, entre 2021 e 2024, como comunidades tradicionais de pescadores e pescadoras artesanais da região utilizam o território. Ao todo, 644 famílias foram entrevistadas. O resultado detalha, por exemplo, quais são as áreas dedicadas a moradia, uso, extração de madeira, roça, pesca, entre outros.

"A informação que tínhamos até então era bem superficial", lembra Eduardo Vedor, professor da UFPR e coordenador do Território Caiçara. “A partir do nosso trabalho, podemos pensar em criar instrumentos que permitam que a comunidade siga lá, mantendo o Parque Nacional”.  O projeto citou recomendações para que o Poder Público prossiga na regularização.

Por meio de mapeamentos genealógicos, os pesquisadores conseguiram comprovar que as comunidades estão lá há pelo menos 270 anos. Ao todo, há hoje cerca de 2400 moradores que compõem 650 famílias, formando 18 comunidades distribuídas entre a Baía dos Pinheiros, Ilhas das Peças e do Superagui. A ocupação precede a fundação do Parque Nacional do Superagui, realizada em 1989 e ampliado em 1999. Símbolo de preservação, ele comporta a maior área remanescente da Mata Atlântica no Brasil.

"Estaremos acompanhando passo a passo a entrega dessas informações que vão nortear a regularização fundiária e a garantia de que essas famílias, que estão lá há muitas gerações possam continuar nesses territórios", ressaltou Goura. “Precisamos que o Poder Público avance na regularização fundiária para que o desenvolvimento aconteça com respeito à população e ao meio ambiente".

Harmonização

O morador tradicional Renato Pereira de Siqueira, que vive na Ilha das Peças, relembrou como a caracterização da região mudou durante os anos: inicialmente território de posse coletiva, foi recategorizado pela União nos anos 2000, que demarcou terrenos e permitiu a venda deles.

“Hoje temos 100 mansões, de pessoas externas à comunidade. Com a regularização fundiária, voltaríamos a ter um território coletivo, sem especulação imobiliária”, pontuou. "Tendo o ambiente preservado como está hoje, há de se convir que a cultura caiçara faz o uso sustentável dessa área. Nossa bandeira é a harmonização dos direitos: existe o direito da comunidade e o do meio ambiente. Os dois são muito importantes”.

“O projeto entregou pela primeira vez a oportunidade desses direitos. Sempre precisamos brigar e berras por eles, e nunca fomos ouvidos”, afirmou Andressa Gonçalves, também moradora da Ilha das Peças. “Fica a esperança de que ele não fique guardado numa gaveta, mas que ele seja posto em prática. E que consigamos nossos direitos como território”.

Também coordenadora do Território Caiçara, a pesquisadora Manuelle Lago relembrou desafios enfrentados pelos moradores tradicionais, que viram no passado as terras serem “invadidas” por empresas de búfalo, de exploração de madeira de palmito e restrições ambientais com a criação do Parque que ocasionaram êxodo da população para municípios vizinhos. Ela citou também a negligência do Poder Público no fornecimento de serviços básicos. “A região é tradicional, das comunidades e deve ser reservada a esse povo”, pontuou.

“Estamos amadurecendo o modo como vemos comunidades tradicionais, entendendo que esses territórios são duplamente habitados: pelas UCs e pelas comunidades tradicionais”, explicou Camile Lugarini, chefe do Núcleo de Gestão Integrada do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). “Com os relatórios, temos as informações que precisamos para partir para as próximas etapas - com termos de compromisso para reconhecer direitos de uso dos territórios”.

Juliana Souza, chefe do setor de regularização fundiária da Superintendência do Patrimônio da União no Paraná (SPU/PR), reconheceu que a postura do órgão na compreensão do papel dos moradores tradicionais também mudou nas últimas décadas.

O Território Caiçara nasceu como condicionante ao processo de licenciamento ambiental da terceira etapa do Pré-Sal, determinada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e pelo ICMBio, explicou Thiago Dias, engenheiro de produção na Petrobrás. O litoral do Paraná está na Bacia de Santos, que receberá instalação de plataformas para extração.

Olympio de Sá Sotto Maior Neto, coordenador do Centro de Apoio Operacional do Ministério Público do Paraná (MPPR), celebrou a realização da consulta livre, prévia e informada (CLPI) pelo projeto, protocolo ratificado em 2002 no Brasil que prevê que as comunidades tradicionais sejam ouvidas antes de decisões administrativas ou legislativas. "Levamos 20 anos para fazer consulta aos povos tradicionais. Isso é um bom exemplo de que isso deve acontecer".

A procuradora da República Monique Checker Mendes ponderou que a região é considerada ameaçada pelo aumento do nível da maré. Assim, é importante que a presença da comunidade esteja em consonância com a preservação de “barreiras naturais”, como restingas e mangues.

Desafios

Maria Wanda de Alencar Ramos, chefe a Área de Proteção Ambiental (APA) Guaraqueçaba, destacou que a região tem uma cultura enraizada há 500 anos. “Essa riqueza ambiental não tem sido reproduzida na sustentabilidade das famílias e dos caiçaras. Porque Guaraqueçaba está na posição 396 das 399 cidades do Paraná no IDH? O censo de 2022 mostra que a população de Guaraqueçaba caiu 10%. Esses dados precisam ser investigados para entender o que está acontecendo”, ressaltou.

Patrícia Vicente Dutra, assistente social da Defensoria Pública do Estado (DPE) que atuou no Território Caiçara, destacou que a falta de regularização compromete a chegada de serviços básicos na região. Na mesma linha, Anderson Padovani, vice-prefeito de Guaraqueçaba, citou desafios enfrentados pelo município litorâneo, como a falta de energia elétrica. A condição assola oito comunidades remotas, como Ararapira.

Também tratando das carências da região, Dieikson Brain Ribeiro, que atuou como assessor jurídico da DPE e participou do projeto, destacou que a iniciativa ajudou a aproximar instituições da comunidade. Estimulou ainda a maior consciência entre moradores tradicionais sobre os seus direitos.

Camila Girardi Fachin, vice-reitora da UFPR, destacou a escolha da UFPR para realização do trabalho, geralmente realizado por empresas privadas. “O trabalho foi muito além de uma cartografia”, pontuou. Para Camila Domit, professora da UFPR, a iniciativa é fundamental para próximas gerações e ao futuro do território.

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