"a Classe Operária Não Vai Ao Paraíso"

28/11/2005 15h38 | por Zé Beto Maciel
A CLASSE OPERÁRIA NÃO VAI AO PARAÍSOA Assembléia Legislativa do Paraná registrou nas suas atas a matéria ‘A Classe Operária Não Vai ao Paraíso’, publicada na última edição da revista Idéias. O registro atendeu requerimento do deputado estadual Dobrandino da Silva (PMDB). “Trata-se de uma matéria de extrema relevância porque expõe de forma direta a situação de centenas de trabalhadores que se mudaram para a Região Metropolitana de Curitiba em busca de um trabalho digno e acabaram comprometendo às suas vidas nesta malfadada instalação das montadoras no Paraná”, aponta Dobrandino sobre a reportagem escrita pela jornalista Márcio Renato dos Santos.“A Delegacia Regional do Trabalho registra mais de 500 casos de afastamentos nas montadoras....O motivo são lesões por esforços repetitivos e distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho”, escreve Renato dos Santos ao relatar vários casos de demissão de operários motivadas pelas doenças ocupacionais.“A saúde de Rosângela Aparecida de Andrade foi destruída pelo ritmo exigido pela multinacional alemã que produz 810 carros todo dia. Obstrução na artéria. Tendinite. Perfuração pulmonar. Risco de trombose. Retirada de uma costela. Síndrome do desfiladeiro toráxico. Perda de 60% do movimento no braço direito”, relata sobre um dos casos.Leia a seguir a íntegra da reportagem e a entrevista com o delegado regional do Trabalho no Paraná, Geraldo Serathiuk.Zé Beto MacielLiderança do Governo41-33504191/45-91038177zbm@fnn.net A classe operária não vai ao paraíso No Paraná, funcionários das montadoras aumentam as estatísticas de acidentes nos locais de trabalho Marcio Renato dos SantosOtimistas recomendam que se deve sonhar e, posteriormente, lutar para que o sonho se torne realidade. Por sua vez, pessimistas repetem chavões, e outros lugares-comuns, dando a entender que “não se paga imposto para sonhar”, mesmo porque, para os negativistas de plantão, tudo vai dar errado no final. Há outras, muitas, e variadas, possibilidades para se discutir se vale a pena, ou não, sonhar. Há quem prefira outras palavras, como metas, projetos, planos a serem concebidos e, posteriormente, realizados. E quem é que não idealiza algo, seja lá o que for?No final da década passada, o governo do Paraná (durante a Era Lerner) — assim como um galanteador que se vale de um repertório de boas-intenções e promessas a fim de atrair sua presa — disputou com outros Estados a atenção de empresas multinacionais. O que a ex-5ª Comarca ofereceu? Entre outras vantagens, terrenos, facilidades, isenção de impostos, mordomias, e, ainda, mão-de-obra barata. O melhor dos mundos, não é mesmo? Ao menos deve ter sido assim que pensaram os poderosos da alemã Volkswagen/Audi e da francesa Renault que, em 1999, se instalaram na cidade de São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba. A Volkswagen/Audi se instalou em São José dos Pinhais no dia 18 de janeiro de 1999. A multinacional alemã gera 4.200 empregos diretos e mais de 10 mil indiretos. De acordo com a assessoria de imprensa da Volkswagen/Audi, 95% dos empregos diretos beneficiaram e ainda favorecem moradores da Região Metropolitana de Curitiba. A empresa tem como produtos os confortáveis veículos Golf, Audi A3, Fox e CrossFox. Todo dia a linha de produção é responsável por finalizar 810 carros. 1999: a instalação da montadora alemã, e também da francesa Renault, modificou a vida de muitos paranaenses. Empresas Made in Paraná enxergaram a oportunidade de estabelecer parceria com multinacionais. Profissionais, de variadas áreas, ambicionaram assumir postos de serviço, do chão de fábrica à chefia, incluindo diversas assessorias.2000, 2001, 2002, 2003, 2004 e 2005: inegavelmente, as multinacionais geraram empregos. Mas, além dos automóveis, algo mais foi sendo gerado por lá. A exemplo do livro Cadeiras proibidas, de Ignácio de Loyola Brandão, onde, em meio ao cotidiano, surgem homens com furos nas mãos, ou seres tão desgastados, e fragilizados, que se transformam em barbantes, o parque automotivo de São José dos Pinhais passou a “produzir” trabalhadores lesionados, alguns inutilizados precocemente, para o trabalho e para a vida.Miragem neoliberalRosângela Aparecida de Andrade, hoje com 37 anos, casada, mãe de dois filhos, com residência em São José dos Pinhais, interpretou a instalação da montadora alemã como uma possibilidade de bom futuro. “Era a chance de minha vida melhorar”. Fez curso de qualificação profissional no Senai. No dia 12 de junho de 2000 foi admitida na Volkswagen/Audi. Exercia função de funileira. “Inspecionava os carros. Passava a lixadeira. Se tivesse algum amassado, tinha que desamassar. Em poucos segundos”. No entanto, recebia como se fosse ponteadora. Salário: R$ 550,00. (quinhentos e cinqüenta reais). Trabalhava, repetindo os mesmos movimentos, de segunda a sábado, durante oito horas por dia, com 40 (quarenta) minutos para refeição. Folga, só aos domingos. “Mas às vezes a gente era convocada para trabalhar até nos domingos”. No final de outubro daquele mesmo ano, quatro meses após ser contratada, Rosângela passou a sentir dores. “Fui no ambulatório da empresa. Um dos médicos deu um remédio. Para mascarar a dor”. A produção foi se intensificando. Os movimentos repetitivos, também. As dores de Rosângela, ainda mais. “Meu braço gelava. Amortecia. Formigava”. Da linha de produção para o ambulatório. Do ambulatório para a linha de produção. A via-crúcis da então funcionária da Volkswagen/Audi ainda estava para iniciar. Em janeiro de 2001, menos de sete meses depois da contratação, ela foi demitida. Percorreu 12 médicos até conseguir atendimento, por meio do plano de saúde do marido. “Há médicos, e são muitos, que não gostam de atender ex-funcionário de multinacional”.A saúde de Rosângela Aparecida de Andrade foi destruída pelo ritmo exigido pela multinacional alemã que produz 810 carros todo dia. Obstrução na artéria. Tendinite. Perfuração pulmonar. Risco de trombose. Retirada de uma costela. Síndrome do desfiladeiro toráxico. Perda de 60% do movimento no braço direito. Tratamento fisioterápico. Ingestão de remédios. Além de seqüelas psicológicas. Muitas crises. Estes são alguns dos problemas que Rosângela “herdou” por ter trabalhado em uma empresa de onde saiu pela porta dos fundos. “Não sou hipócrita de dizer que eles não trouxeram benfeitorias. Várias pessoas estão vivendo devido aos postos de trabalho criados pelas multinacionais. Produção é preciso. Sim. Mas e o lado humano?”, interroga-se Rosângela. Ela não é um caso isolado. “Tenho colegas e ex-colegas que, assim como eu, em menos de um ano foram mandados embora. Também, como eu, lesionados”. Rosângela classifica o ritmo de trabalho imposto pela Volkswagen/Audi aos trabalhadores como desumano. “Me considero menos que um robô. Durante a manutenção, pediram que a gente tivesse cuidado para não estragar a mangueira de um robô, que custa R$ 13 mil o metro. Um funcionário da produção não custa nem R$ 13 mil por ano. É mais fácil trocar um funcionário do que um robô, que é caro”. A experiência de Rosângela Aparecida de Andrade na Volkswagen/Audi pode ser resumida, por ela mesma, em uma única palavra: “tortura”. Um mero númeroA Delegacia Regional do Trabalho (DRT) registra mais de 500 casos de afastamentos nas montadoras, tanto na alemã como na francesa. O motivo são lesões por esforços repetitivos (ler) e distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (dort). Portanto, o caso de Rosângela Aparecida de Andrade, ex-funcionária da Volkswagen/Audi, não é uma exceção. Raro é o lesionado, ou lesionada — a exemplo de Rosângela Aparecida de Andrade — que revela o nome, se deixa fotografar e diz, com todas as letras, o nome da empresa e a função em que atuou. Muitos temem sofrer represálias. “Ou coisa pior”, dizem, em coro, os muitos funcionários e ex-funcionários das montadoras que concordaram em conceder depoimentos a Idéias.J. P. M., 40 anos, apresenta um histórico — guardadas às proporções — similar ao de Rosângela Aparecida de Andrade. Ele também teve o imaginário fertilizado por sonhos ao receber a notícia de que um parque automotivo se instalava em São José dos Pinhais. Fez curso profissionalizante. Foi admitido em uma das montadoras. O ritmo intenso e os esforços repetitivos provocaram dores em J. P. M. Ele entrou em contato com o departamento médico. Recebeu antiinflamatórios. E a rotina seguiu. A repetição dos movimentos por oito horas, ou mais, também. Então, marcou uma consulta com um ortopedista, particular, de quem recebeu a sentença: sua coluna estava totalmente deteriorada. Isso foi em 2004. J. P. M. está afastado e recebe aposentadoria, temporária, do INSS. “O problema é que minha vida está totalmente limitada”. J. P. M. diz não realizar nem 50% do que fazia quando era saudável. “Não consigo carregar minha filha, bebê, no colo. Não posso caminhar nem por 30 minutos. Tenho tonturas. Queria minha vida de volta”. Para J. P. M., o ritmo de produção de uma montadora de automóveis é exagerado. “Às vezes, eu trabalhava 28 dias por mês. Não há musculatura que agüente isso”. Ele avalia que as condições de trabalho estão distantes do minimamente razoável. “As máquinas não têm regulagem para cada pessoa. É um só padrão. É desumano”.Os lesionados apresentam históricos parecidos. No caso deles, seria possível afirmar que As histórias são iguais, valendo-se do título de uma canção da banda curitibana Relespública. Assim como J. P. M., um outro lesionado, A. R., que também pediu para não ser identificado, igualmente imaginou que, com o fato da instalação das montadoras na Região Metropolitana de Curitiba, a vida seria melhor no futuro. Também fez curso, também entrou em uma montadora, também seguiu por um tempo em meio à pressão por resultados, repetindo movimentos todos os dias. Até surgirem as dores. “Quando procurei o ambulatório, agora em 2005, não agüentava mais. A dor era tanta que fui obrigado a pedir afastamento pelo INSS”. O mundo de A.R., assim como o de Rosângela Aparecida de Andrade, e o de J. P. M., e de outros tantos, também caiu. “Não sei o que vai ser da minha vida”. J. P. M., A. R. e outros lesionados que preferem não revelar nem os nomes, nem as funções, nem mesmo o nome da montadora em que trabalharam, apresentam discursos parecidos ao justificar a opção pelo anonimato. Primeiro, porque estão afastados temporariamente e recebem via INSS. Depois, por entenderem que nunca foram tratados como seres humanos, e sim como números — ou siglas. E é por meio de siglas que pedem, insistentemente, para serem apresentados na reportagem. Fábrica de lesionadosA Renault, assim como a Volkswagen/Audi, também se instalou no ano de 1999 em São José dos Pinhais, e também foi agraciada pelo então governo paranaense com o terreno — onde foi construído o Complexo Ayrton Senna — como brinde; e a isenção de impostos, como chamego. Em 2001, tinha 2.515 funcionários e produzia 71 mil veículos anualmente. Ano passado, com 2.330 empregados, finalizou 63 mil automóveis. De acordo com a DRT, 177 funcionários da Renault foram afastados por problemas como lesões por esforços repetitivos (ler) e distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (dort). Os lesionados, tanto da Renault como da Volkswagen/Audi, têm encontrado auxílio em entidades, entre as quais, a Associação de Defesa da Saúde do Trabalhador (ADVT), criada originalmente em 1998 sob o título de Associação dos Portadores de Ler (Apler). O fundador, e atual coordenador-geral, é um ex-bancário, também lesionado, afastado precocemente de suas funções. Trata-se de Alexandre José Felizardo. Ele conta que a entidade, com sede no centro de Curitiba, atende a uma infinidade de profissionais, mas a maioria são funcionários, ou ex-funcionários, das montadoras multinacionais.“A linha de montagem é cruel. É uma máquina que massacra o ser humano”. Assim Felizardo define a rotina de quem trabalha nas montadoras. Para ele, uma estrada para tentar alterar essa cruel realidade passa, necessariamente, pela conscientização. “Para quem já está doente, a situação é muito difícil. Tem de lidar com reabilitação, indenização, aposentadoria”. E os que não estão doentes? “Têm que evitar de adoecer. Porque, depois, com a doença, a reabilitação é quase impossível”. Felizardo sabe que o problema é complexo — e que essa espécie de ciclo de destruição, no caso, da saúde do trabalhador, parece não ter fim. “Você conscientiza o trabalhador e ele pode até abandonar o emprego, buscar outra alternativa. Mas, daí, aparece outro, necessitado, que vai acabar aceitando essas condições subumanas. E, lamentavelmente, vai se destruir”.A médica psiquiatra Carmem Lúcia Schettini atende, em várias clínicas da capital, a pessoas que adoeceram no local de trabalho. E, entre esses trabalhadores, muitos são funcionários das montadoras. Os problemas variam, sobretudo, de assédio moral (o terrorismo exercido por superiores) até o estresse ocupacional. “O estresse em excesso, muitas vezes, ‘anda junto’ com as lesões por esforço repetitivo. E a depressão piora ainda mais o quadro”. Carmem Lúcia Schettini informa ser alta a quantidade de funcionários das multinacionais, do chão de fábrica aos cargos de chefia, que apresentam problemas psicológicos. “Muitos já tentaram suicídio”. Para a médica psiquiatra, as empresas precisam repensar o modus operandi. “Não há qualidade de vida no universo do trabalho. É preciso respeitar o indivíduo. É necessário, inclusive, elogiar o funcionário. Isso até aumenta a produção”, ensina.Mundo orwellianoSábios e não-sábios costumam repetir que nem tudo é o que parece ser — e a máxima vale, sobretudo, para o mundo do trabalho, ainda mais para o parque automotivo de São José dos Pinhais. Isto remete à ficção. Lembra, entre tantas coisas, o universo criado pelo escritor inglês George Orwell no livro 1984, onde, por exemplo, o departamento da verdade fomentava a mentira, assim como todos os demais órgãos geravam o oposto do que o nome anunciava. Já foi dito e muitos sabem. Estados brasileiros ofereceram mil e duas vantagens para as multinacionais. A Renault e a Volkswagen/Audi se instalaram no Paraná — como já foi mencionado, e todos têm conhecimento — porque o então governo paranaense forneceu terreno, isenção fiscal e outros regalos. No entanto, muita gente falou que tanto a multi francesa como a multi alemã vieram para cá, também, por outro, e fundamental, fator: o sindicalismo, no Paraná, é tido como o mais fraco de todo o território brasileiro. Assim, seria possível mandar, desmandar, explorar, tirar o couro, o sangue, enfim, fazer com que os fins justificassem os meios sem temer nenhuma represália.Alexandre José Felizardo, da ADVT-Apler, é um dos que acredita na hipótese. “A Renault e a Volkswagen/Audi analisaram o mundo inteiro e viram que no Paraná o sindicalismo é muito fraco. Aqui, elas não iriam ter problemas. E, ainda por cima, houve o fracionamento. O sindicato patronal dos metalúrgicos atende metalurgia, papelão, um monte de coisas. O patronal é forte. Os trabalhadores são fracos”.Os sindicalistas, naturalmente, têm outro ponto de vista. “O Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba (SMC) é considerado igual ou melhor do que qualquer outro em âmbito nacional”, dispara Nelson Silva de Souza, vice-presidente da entidade. Silva de Souza observa que o SMC, que aglutina mais de 40 mil trabalhadores, tem conseguido defender o trabalhador e que o departamento médico da organização é operante.Núncio Manala, diretor de saúde do Sindicato dos Metalúrgicos, recebe e acompanha trabalhadores lesionados de segundas às sextas-feiras, finais de semana e feriados. Manala afirma que lesões por esforços repetitivos afetam trabalhadores desde a década de 1990. No entanto, ele aponta que, nesses últimos tempos — tempos de montadoras no Paraná — o quadro parece ter se agravado. “A cobrança por resultados é muito grande. Há pouco tempo para descanso. As jornadas de trabalho são longas e massacrantes”. Para Manala, se as empresas obedecessem às próprias regras de ergonomia já seria uma grande conquista para a saúde dos trabalhadores. Um dos metalúrgicos entrevistados por Idéias desenvolve um pensamento que traduz o paradoxo em que estão inseridos os trabalhadores que, assim como ele, ficaram lesionados: “Nunca imaginei que no lugar onde eu ia tirar o pão de cada dia eu também iria perder a minha capacidade de lutar pelo pão de cada dia”. Nem George Orwell seria tão orwelliano. Do paraíso ao infernoO dilema dos paranaenses, vítimas de acidentes dentro do local de trabalho, está se tornando “caso de polícia”. Tanto, que o governo do Paraná teve de criar, em agosto deste ano, o Núcleo de Repressão a Crimes Contra a Saúde (Nucrisa). A titular da pasta, Paula Christiane Brisola, comunica que a Nucrisa acompanha mais de 250 inquéritos de acidentes de trabalho. “O que está surgindo com maior gravidade é a alta incidência de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais no setor automotivo. Temos até denúncias de médicos sendo mandados embora por darem diagnósticos em favor do funcionário”.No dia 31 de outubro, representantes dos trabalhadores e das multinacionais sentaram na mesma mesa, tendo como anfitrião o governador Roberto Requião, no Palácio Iguaçu. A classe operária, por meio do sindicato, reivindica que o poder público seja ainda mais ativo. “O que pedimos é que o governo não dê nenhum incentivo para nenhuma empresa multinacional se essa empresa não tiver um comprometimento com a saúde do trabalhador. Afinal, essas montadoras vieram para cá, receberam incentivos e, juntamente com a produção, estão massacrando os operários. O governo precisa fazer alguma coisa”, protesta Nelson Silva de Souza, do Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba (SMC). O governo paranaense, parece, decidiu agir. O governador Roberto Requião criou uma comissão que vai vistoriar as montadoras. Representantes da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), do Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba (SMC), do INSS, da Delegacia Regional do Trabalho (DRT) e técnicos das multinacionais estiveram na Volkswagen/Audi, dia 8 de novembro, e na Renault, no dia seguinte.Talvez, a partir de agora, com mais fiscalização, trabalhadores das multinacionais deixem de se tornar estatística nos quadros de lesionados e afastados precocemente de suas atividades. “Se o governador Requião entrar pra valer nessa briga, e realmente estiver do lado do trabalhador, o governo dele entra para a história”, diz um dos metalúrgicos entrevistados pela revista Idéias. Afinal, a situação dos empregados das multinacionais, sobretudo os “chão de fábrica”, chegou ao limite. Um ex-metalúrgico, lesionado, hoje com seqüelas psicológicas, que tem alguns de seus colegas na mesma situação, durante conversa com a reportagem de Idéias, ao ser questionado se a classe operária, com a implantação do parque automotivo de São José dos Pinhais, foi ao paraíso, respondeu melancolicamente: “Paraíso? Eu fui pra outro lugar. Hoje, minha vida é um inferno”.Entre patrões e trabalhadoresMarcio Renato dos SantosTer um emprego é um dos grandes objetivos de todo e qualquer cidadão. No entanto, como em qualquer outra relação, a vida de um empregado tem lá suas arestas. Geraldo Serathiuk talvez seja, neste momento, o sujeito que mais conhece o assunto no Estado. É ele é o titular da Delegacia Regional do Trabalho (DRT) no Paraná. Até ele chegam, todos dias, os problemas, as reclamações, os dramas e demais impasses do universo trabalhista. O delegado do trabalho no Paraná sabe qual é a situação do emprego no Estado. Tem todos os dados. “O Paraná tem hoje, aproximadamente, um milhão e oitocentos mil trabalhadores com carteira assinada”. Há várias tabelas — inclusive sobre a informalidade. Mas nem tudo são números. Há dramas. Seja de quem está excluído do mercado e mesmo daqueles que se tornam vítimas do próprio ambiente de trabalho. Os acidentes e doenças são trágicos. Soam como se fossem estatísticas de uma guerra. O Paraná entra para um ranking deplorável: é o quarto Estado brasileiro campeão em acidentes de trabalho. Todo ano 30 mil paranaenses se acidentam enquanto lutam pela sobrevivência. Destes, 800 ficam incapacitados de forma permanente. Duzentos e vinte (220) paranaenses morrem, todo ano, trabalhando. O quadro de tragédia se completa com outros dados, como trabalho escravo, assédios (sexual e moral), terceirização e outros males. No entanto, Geraldo Serathiuk, apesar de refletir sobre o lado sombrio do universo do trabalho, acredita que muito está se modificando. Ele acredita que o futuro será melhor. É um otimista. Pelo menos esta é a impressão que ele passou durante a entrevista que concedeu com exclusividade para a revista Idéias em seu gabinete, no terceiro andar da DRT, na rua José Loureiro, no centro de Curitiba, no final de uma manhã do início do mês de novembro.Serathiuk, paranaense nascido dia 9 de dezembro de 1956 em Mamborê, sempre pautou sua atuação, sua vida, pelo diálogo. Militou na política estudantil, onde dialogou. Foi um dos idealizadores do Diretas-Já, movimento dialógico por natureza. Lutou pela Anistia. E se formou em direito na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), com especialização na área tributária. Ele definiu, com muita objetividade, sua função, a de delegado do trabalho: “Nosso objetivo não é fiscalizatório, nem policial, punitivo. A meta é pedir que os trabalhadores tenham boas condições. Esse é o nosso objetivo. Eu prefiro que as coisas sejam feitas de forma dialogada, chamando empresários, trabalhadores e governo para resolver”.E foi com muita objetividade que Geraldo Serathiuk respondeu às questões e estabeleceu diálogo com o repórter de Idéias, como você, leitor ou leitora da revista, confere a seguir:De uma maneira geral, qual a realidade do mercado de trabalho no Paraná contemporâneo?Geraldo Serathiuk — O Paraná tem hoje, aproximadamente, um milhão e oitocentos mil trabalhadores com carteira assinada. Tem também, aproximadamente, um milhão de trabalhadores informais. E algo em torno de um milhão que vivem na condição de trabalhadores eventuais, aqueles que prestam serviços temporários, incluindo aí os “biqueiros”. Ainda se registra migração em massa do campo para a cidade?Durante alguns anos, o Paraná registrou grande migração dos trabalhadores do meio rural para as cidades grandes. Isso se deve, entre outras coisas, ao fato de o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) ter destinado verbas irrisórias para a agricultura familiar. O governo FHC aplicou apenas R$ 2 bilhões e meio em agricultura familiar em 2002. O governo Lula investiu, apenas este ano, R 7 bilhões e meio. No ano que vem serão R$ 9 bilhões. Ao mesmo tempo em que houve pouco incentivo à agricultura familiar, grandes empresas, do exterior, receberam todo o apoio e incentivos possíveis. Isso também provocou a migração aos grandes centros.Exato. Quem recebeu incentivo durante a Era FHC foram as montadoras e as grandes empresas do agronegócio que trabalham com exportação em alta escala. Conseqüentemente, muitos dos pequenos proprietários migraram para as grandes cidades. Veja o caso paranaense: durante o governo Jaime Lerner, em menos de 10 anos, Curitiba recebeu um milhão de pessoas. E na periferia da capital se formaram bolsões de pobreza. O sistema de geoprocessamento da Secretaria da Segurança Pública do Paraná aponta, cientificamente, que o crime está nas periferias, onde houve um adensamento desses migrantes oriundos do campo que buscavam emprego na cidade grande. E, naturalmente, não há vagas para essa massa de migrantes, nem mesmo para muita gente da região. Qual a taxa de desemprego neste momento?É difícil apontar, precisamente, uma vez que o Dieese apresenta um dado e o Ipardes outras informações. No entanto, é interessante apontar para um fato objetivo: o setor automotivo não gerou os empregos que essa massa de migrantes exigia, nem mesmo atendeu à demanda da população local. Quem migrou para Curitiba e Região Metropolitana em busca de oportunidade de emprego nas montadoras não tinha a qualificação necessária. Os migrantes, oriundos do campo, não tinham, e não têm, qualificação nem para a área automotiva, nem, por exemplo, para o comércio. Só para o trabalho do campo. Então, esses migrantes acabam se tornando, entre outras coisas, porteiros, vigilantes, trabalhadores da área de limpeza, conservação etc. É a mão-de-obra mais mal paga do sistema. E há todo um exército sem emprego, um excedente de mão-de-obra, pronto para assumir possíveis vagas, mesmo de subempregos pessimamente remunerados. Há um outro problema no mundo do trabalho, além da falta de vagas, da pouca qualificação profissional: os acidentes. O Paraná é o quarto Estado em acidentes de trabalho, com uma média de 30 mil acidentes por ano. Anualmente, 800 trabalhadores paranaenses ficam incapacitados de forma permanente e 220 morrem trabalhando. Há respostas para explicar a tragédia, um índice similar a uma guerra? Eu atribuo isso à recessão econômica. O Brasil cresceu pouco nos últimos anos. Havia um exército de trabalhadores de reserva, desesperados para trabalhar. Os empresários não investiam em equipamentos de proteção individual e mesmo em equipamentos de proteção para coletividade, e isso é uma das causas de acidentes. Nos últimos anos, foi desviado muito dinheiro originalmente destinado à qualificação de trabalhadores, e este é outro fato que provoca acidentes de trabalho. Afinal, sem preparo, o trabalhador perde muito, inclusive a saúde. No entanto, há ainda um outro fator que tem provocado acidentes de trabalho: a pressão, por parte do setor produtivo, pelo aumento da produtividade, o aumento de horas extras e o excesso da jornada de trabalho. Os trabalhadores, sobretudo os da linha de produção, estão sendo submetidos a um regime desumano. O estresse, provocado por uma série de pressões, tem sido um dos responsáveis pelo surgimento de lesões por esforço repetitivo (Ler), além de problemas psíquicos. Agora, realmente, com um exército de reserva no entorno do setor produtivo, o empresário muitas vezes não fazendo investimentos em equipamento de proteção individual e coletiva, se o trabalhador se nega a atuar na linha de produção, em meio a um regime desumano, sobrecarregado, e ainda ganhando pouco, ele, trabalhador, é mandado embora. E há muitos outros fazendo fila em busca da oportunidade. Há saída para o problema?Acredito que somente com a presença do Estado, por meio de infra-estrutura e investigação, será possível fazer com que a realidade se modifique. Mas os problemas de acidentes de trabalho, e de excesso de trabalho, não ocorrem apenas nas montadoras. A construção civil, o setor bancário, o setor da madeira, os frigoríficos, o setor gráfico, entre outros, são alguns em que se registra ocorrências de grandes acidentes e doenças do trabalho. Uma maneira de se reverter o quadro é provendo políticas de prevenção. Em 2005, a DRT, em parceria com a Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep) e outras entidades, já realizou mais de 40 encontros com empresários e trabalhadores em todo Paraná, com a finalidade de divulgar formas de prevenção. A cultura da terceirização de mão-de-obra provoca que tipos de desgastes nas relações trabalhistas?Esse modelo de terceirização de mão-de-obra é fruto do governo anterior, inclusive como mecanismo de flexibilização da legislação do setor produtivo. O governo FHC aprovou essa legislação e, de certa forma, incentivou, muito, esse sistema. Uma empresa, seja pública ou privada, não pode contratar um trabalhador terceirizado para um serviço final. Por exemplo, uma montadora de automóveis, não pode contratar um trabalhador terceirizado para atuar na linha de produção. Mas há montadoras que fazem isso. O trabalhador deveria ser contratado pela montadora, não por uma terceirizada. Isto é ilegal. É crime.Completamente fora da lei. Inclusive, muitos trabalhadores que são vítimas de acidentes são terceirizados que atuam na linha de produção. O setor privado não pode fazer isso. Agora, o setor público, em especial, o Estado do Paraná, está com problemas gravíssimos de terceirização. No primeiro governo de Roberto Requião, de 1991 a 1995, não havia mão-de-obra terceirizada no governo do Paraná. Durante os oito anos da gestão Jaime Lerner houve um incentivo muito grande à terceirização. O governador Roberto Requião, nesta sua segunda gestão, herdou algo em torno de 50 mil funcionários terceirizados. São trabalhadores que atuam nas áreas de limpeza, conservação e segurança. O grande problema é que esses funcionários têm vínculo com empresas que venceram licitações durante o governo Jaime Lerner. E há muitas reclamações dos funcionários em relação a essas empresas. Algumas delas estão deixando de recolher fundo de garantia, encargos sociais etc. Posteriormente, esses trabalhadores, prejudicados, vão acabar acionando, não as empresas, mas o Estado. E tem mais: há empresas que pegam recibo com o trabalhador, mas atrasam os salários. É uma situação, no mínimo, preocupante. Acidentes de trabalho, terceirização, subempregos, enfim, o cenário parece trágico mas é ainda pior: tem trabalho escravo neste Paraná do século 21.Essa realidade, de trabalho escravo, surge, muitas vezes, devido a esse exército de reserva de desempregados que está por aí desesperado em busca de uma oportunidade. Tivemos um caso no setor das reflorestadoras, na região de Tunas. Trabalhadores, tanto paranaenses como gente de outros Estados, foram colocados em condições subumanas. A madeireira contratava um empreiteiro, esse empreiteiro contratava trabalhadores e os instalava, dentro de uma propriedade para fazer o serviço, sem nenhuma condição de higiene, sem sanitários, sem refeitório, sem nada. No entanto, o que caracterizou o trabalho como escravidão foi o fato de que os trabalhadores estavam impedidos de se locomover do local de trabalho para suas casas. A Delegacia Regional do Trabalho fez um acordo com o setor produtivo da região e, posteriormente, os trabalhadores foram registrados e os empregadores passaram a proporcionar condições mínimas de moradia, higiene e refeição. Mas isso não aconteceu apenas na região de Tunas. Isso acontece em várias outras regiões do Brasil. Quais os principais problemas no universo do trabalho agrícola paranaense?O índice de informalidade é muito grande. Apenas 35% dos trabalhadores que atuam no campo têm registro em carteira. Há um outro aspecto peculiar ao trabalho no campo. Há sazonalidade: há tempo para plantar, há o tempo de manutenção e há o tempo da colheita. Por isso, o empregador, muitas vezes, não precisa da mão-de-obra em tempo permanente. Para resolver esse problema, foi criado aquilo que é o chamado condomínio dos empregadores. Assim, quando o empregador não quer contratar o empregado, por exemplo, por 15 dias, o condomínio de empregadores solicita o serviço do trabalhador por esse período. Este mecanismo está minimizando o problema da informalidade. Outro problema a ser resolvido é o de saúde e de segurança do trabalho no campo. O governo federal editou a Norma Regulamentadora 31 que estabelece regras a respeito do uso adequado de equipamentos pessoais e coletivos de segurança, sobre a necessidade de serviços médicos, adequação de sanitários, refeitórios e habitação. A DRT está informando os proprietários rurais para que eles passem a adequar suas propriedades a essa realidade e, com isso, diminuam os índices de acidentes de trabalho e doenças no Estado do Paraná. Assédio moral e sexual são problemas que atingem os trabalhadores paranaenses?É um problema muito grave e com inúmeras queixas registradas na Delegacia Regional do Trabalho. Tanto que a DRT tem um núcleo que cuida especificamente destes problemas. Em relação ao assédio, tanto moral como sexual, a DRT procura fazer um trabalho discreto, a fim de não prejudicar o trabalhador e resolver o problema dentro da empresa.É possível dizer que, apesar da crise política, que não afetou, pelo menos até agora, a economia, que este é um momento, se não ideal, ao menos razoável para o trabalhador paranaense, brasileiro?O Brasil, finalmente, está conseguindo sair de um quadro triste, de desemprego, salários baixos rumo a outra realidade. Naturalmente, não chegamos ao ideal. Mas estamos melhorando. Durante o período de recessão, os sindicatos, por exemplo, ficavam debatendo somente cláusulas econômicas e manutenção de emprego. Agora, a discussão se amplia e entra em pauta, entre outras questões, segurança de trabalho, qualificação profissional, políticas fiscais para o setor produtivo etc. Tudo isso, todos esses avanços, são conquistas dos governos Lula e Requião. É um bom momento, mas é preciso avançar muito para recuperar o que os trabalhadores perderam nos anos de recessão, durante o neoliberalismo.

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