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Adoecimento mental de bancários no Paraná é tema de audiência pública na Assembleia Legislativa

Categoria é a segunda em número de afastamentos por problemas de saúde mental. Audiência pública também marcou o lançamento de cartilha para combate ao assédio moral e sexual no trabalho.

Audiência ocorreu no Plenarinho da Assembleia Legislativa na manhãe desta quinta-feira (20).
Audiência ocorreu no Plenarinho da Assembleia Legislativa na manhãe desta quinta-feira (20). Créditos: Valdir Amaral/Alep

A cobrança de metas abusivas de produtividade e o consequente adoecimento mental de bancários no Paraná foram debatidos na manhã desta terça-feira (20) no Plenarinho da Assembleia Legislativa. Organizada pela Frente Parlamentar de Proteção à Saúde Mental, coordenada pela deputada Ana Júlia (PT), a audiência pública reuniu trabalhadores da categoria, sindicatos e profissionais da saúde para desenhar formas de enfrentamento ao problema.

O evento também sediou o lançamento da cartilha “Combate ao Assédio Moral e Sexual no Trabalho”, iniciativa de Ana Júlia. Ao longo de 12 páginas, o guia explica o que são os abusos e comportamentos relacionados, detalha a legislação que trata deles, distingue os diferentes tipos de assédio moral (organizacional, interpessoal, vertical, horizontal e misto) e as ações que devem ser adotadas pelos trabalhadores e empresa para coibir as práticas.

“Hoje não temos políticas voltadas à proteção e promoção da saúde mental”, denunciou a parlamentar. “Tudo o que temos agora é na perspectiva medicamentosa, para remediar quando o problema já existe. O que queremos é que as pessoas não passem por situações de sofrimento mental, principalmente as ocasionadas por situações de trabalho”.

Os bancários representam hoje a segunda categoria que mais recebe afastamentos por problemas de saúde mental, representando cerca de 14,8% de todos os casos, de acordo com dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Eles estão atrás apenas dos profissionais de administração pública (14,9%) e são mais numerosos que trabalhadores da saúde (8,91%) e do transporte (7,63%).

Os dados foram elencados por Elver Andrade Moronte, médico do trabalho que atua no Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) da Secretaria Municipal de Curitiba. "Aqui temos apenas os casos reconhecidos pelo INSS. Se considerarmos o número de não reconhecidos, é três vezes maior", estima.

"Os dados da previdência social não mentem. Apontam claramente a relação do adoecimento com o emprego. A categoria dos bancários afasta mais que o conjunto das outras categorias. Isso não tem a ver com o indivíduo, mas com a organização do trabalho", ressaltou Mauro Salles Machado, secretário de Saúde do Trabalhador na Contraf-CUT.

Metas de produtividade são elencadas como o principal fator que compromete o bem-estar psíquico dos trabalhadores. Cargas horárias que chegam a 14 horas, considerando o trabalho que transborda para além das agências; ambientes de vigilância excessiva e terceirização de profissionais também são citadas como razões.

Principal causa

Desde o fim da década de 1990, o quadro de adoecimento de bancários passou por mudanças significativas, explicou Deonísio Schmidt, presidente da Federação dos Trabalhadores em Empresas de Crédito, Finanças e Seguros (Fetec-PR). Gradualmente, problemas osteomusculares e lordose deixaram de ser a razão preponderante dos afastamentos - até perderem o posto para os problemas psíquicos nas últimas décadas.

"A mudança se confunde com a transformação na gestão dos bancos: emergiu um novo modelo individualista, sem coletividade e com uma competitividade na qual o bancário, para se dar bem, precisa que o outro esteja mal”, afirmou Schmidt. “Isso gera um ambiente desagregador e conflituoso, que deveria ser coletivo.”

"Quando a gente retrocede no tempo, temos um cenário de menos desenvolvimento tecnológico, no qual o bancário era explorado no seu corpo. Hoje esse trabalho físico é feito pelo cliente em casa, pelo smartphone”, explicou André Guerra, doutor em psicologia social e institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

“O que restou ao bancário é ser um vendedor que precisa usar recursos subjetivos –  ser carismático, passar confiança, lealdade. Quando o trabalho muda da exploração do corpo para a subjetividade, o adoecimento deixa de ser físico e passa ser psíquico", destacou.

Ansiolíticos e suicídios

Elias Hannemann Jordão, secretário de comunicação da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), elencou dados que apontam que 39% da categoria toma medicamento controlado, como antidepressivos, ansiolíticos e estimulantes. A pesquisa foi realizada em 2024, durante a campanha salarial da Confederação. "As metas são cobradas para a geração de lucros para o setor mais lucrativo do país. O lucro fica para os bancos e o adoecimento para os trabalhadores", ressaltou

Consequência última do adoecimento mental, o suicídio acometeu 166 bancários entre 2006 e 2014 em todo o Brasil, anotou Ricardo Mendonça, assessor jurídico da Fetec-PR. Destes, 22 vítimas eram paranaenses. "Em cada agência, temos um processo de adoecimento coletivo que só estralou no decorrer do tempo", denunciou.

Diego Martins Caspary, especialista em Direito Previdenciário, explicou os desafios do INSS, Judiciário e demais entes em lidar com casos de adoecimento mental - uma vez que não é possível comprová-los por meio de exames de imagem, por exemplo. O tema é tratado com morosidade, podendo levar meses para resultar na concessão de benefícios.

Manoela Lebarbenchon Massignan, técnica do INSS, explicou o funcionamento do Atestmed (Atestado Médico), ferramenta do Instituto que permite aos segurados solicitar o benefício por incapacidade temporária após apresentação e análise de um atestado médico, sem a necessidade de uma perícia médica presencial.

Campanha

Cristiane Zacarias, presidente do Sindicato dos Bancários e Financiários de Curitiba, aproveitou a ocasião para lançar a campanha "dá uma pausa, mude a causa", lema escrito em bottons colados nas camisas dos participantes. Ela busca conscientizar sobre a importância das pausas no trabalho e a necessidade de enfrentar o tema de forma coletiva.

Um vídeo institucional foi apresentado durante a audiência pública, conscientizando sobre o esgotamento psíquico. A campanha aponta que 80% dos trabalhadores ramo financeiro tem pelo menos um problema vinculado ao trabalho - e cerca de metade deste grupo está em acompanhamento psiquiátrico.

“Nós precisamos nos apropriar do debate que nós temos que fazer com os bancos e fazer a cobrança pelos fins das metas abusivas”, ressaltou Zacarias.

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