Uma audiência pública no Plenarinho da Assembleia Legislativa do Paraná na manhã desta quarta-feira (18) discutiu a importância do acolhimento familiar em substituição ao acolhimento institucional de crianças e adolescentes em abrigos ou nas chamadas “Casas Lares”. O evento atendeu a uma proposição do deputado Evandro Araújo (PSC), em parceria com a Comissão de Defesa dos Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso, presidida pela deputada Claudia Pereira (PSC), e contou com a participação de representantes do Poder Judiciário, do Ministério Público estadual, da Ordem dos Advogados do Brasil, de gestores municipais e estaduais, assistentes sociais e psicólogos.
O juiz Sérgio Luiz Kreuz, pioneiro do projeto de acolhimento familiar no estado enquanto esteve na Vara da Infância e da Juventude de Cascavel, relatou na reunião a experiência e os benefícios para as crianças, quando destituídas da família biológica ou mesmo abandonadas, ao encontrar o acolhimento familiar até o processo de adoção. “Buscamos a inspiração em outros países, que inclusive já aboliram o acolhimento institucional. Uma criança precisa de estímulo, atenção, cuidados e afetos, que muitas vezes num abrigo não acontecem, porque temos problemas de recursos humanos, de estrutura e da falta de rotina”, afirma.
Ele ressaltou ainda que as famílias acolhedoras devem passar por um processo de qualificação e que o programa precisa estar alinhado com as políticas públicas de proteção às crianças e adolescentes pelos municípios. “É preciso haver preparação, qualificação dos envolvidos. Não se pode fazer acolhimento familiar no improviso. Os municípios devem estar integrados com os objetivos deste acolhimento. Por exemplo, um pai que leve uma criança acolhida num posto de saúde às 5 horas da manhã para fazer uma consulta às 5 horas da tarde, vai desistir de participar. A rede pública precisa dar prioridade às crianças acolhidas, este é um dos pontos previstos no programa: que o poder público atenda preferencialmente estas crianças e adolescentes”.
Pertencimento – O sentimento de pertencimento familiar e estreitamento das relações afetivas são os principais ganhos deste modelo, segundo a psicóloga e pós-doutora em Saúde e Desenvolvimento Humano Lídia Natália Dobrianskyj Weber. Uma pesquisa apresentada por ela aponta que 24% das crianças que estão em abrigos institucionais são depressivas e 40% delas sentem-se sozinhas, ainda que convivam com outras pessoas. “A vantagem deste acolhimento é que a criança está inserida numa família, num espaço em que os vínculos são construídos e o afeto se apresenta de forma permanente. Num abrigo, a criança convive com dezenas de outras e com funcionários, que mesmo tentando acertar, não promovem esta ligação afetiva. Na Europa, por exemplo, as crianças menores de três anos são proibidas de frequentar abrigos, e já querem aumentar a idade para seis anos. O Brasil ainda está muito atrasado neste modelo de acolhimento”.
Experiência – Em Cascavel, a implantação do modelo de acolhimento familiar foi iniciada em 2006. A assistente social Neusa Cerutti, que atua no projeto desde então, fala com orgulho dos avanços e da possibilidade de acolhimento das crianças por uma família. “Se deu certo em Cascavel, pode dar certo em qualquer lugar. Temos feito treinamentos em vários municípios, trabalhando em conjunto na capacitação e formação das famílias e dos gestores e pessoas que vão atuar neste processo. Nestes nove anos, quase mil crianças já foram acolhidas por uma família. Temos que respeitar o direito das crianças e dar a elas a possibilidade de conviver dignamente”.
Políticas públicas – A necessidade de maior efetividade do poder público em disponibilizar o acesso e as condições para o acolhimento familiar também foi apontada pela procuradora de Justiça e coordenadora do Centro de Apoio da Criança e do Adolescente do Ministério Público do Paraná, Mônica Louise de Azevedo. “O MP sempre está preocupado com as nossas crianças e adolescentes. Vivemos uma triste realidade no estado, muitas destas crianças acolhidas institucionalmente sofreram maus-tratos, são pobres e necessitam deste outro olhar, de inclusão familiar. O poder público precisa articular políticas de apoio e os municípios devem preparar equipes para trabalhar esta questão”.
Da mesma forma, a advogada e integrante da Comissão da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/PR), Marta Marília Tonin, disse que os municípios devem se envolver nas etapas do acolhimento familiar. “Precisamos de políticas públicas que respeitem os direitos fundamentais das crianças. Por isso é preciosa essa discussão aqui na Assembleia Legislativa. Temos que olhar as nossas crianças como sujeitos de direitos. Esperamos que ao debatermos no Legislativo este assunto, outros agentes públicos também possam compreender a importância da preservação e do amparo aos direitos mais básicos do ser humano. A lei está aí, mas falta vontade política em se colocar em prática o que a legislação dispõe”.
Ações – Na avaliação do deputado Evandro Araújo, a audiência pública, que contou também com a participação dos deputados Delegado Rubens Recalcatti (PSD) e Gilson de Souza (PSC), foi positiva, e algumas ações poderão ser desencadeadas a partir da discussão desta quarta-feira. De acordo com ele, além da apresentação de emendas parlamentares prevendo mais recursos para a área de assistência social e de amparo à criança e à juventude no orçamento estadual, o parlamentar acredita que outros mecanismos podem ser promovidos pelo Legislativo. “Podemos trabalhar este tema com emendas parlamentares, prevendo recursos para algumas áreas importantes e que podem ajudar na política de apoio às crianças e adolescentes, além de pensarmos em legislações que contemplem o assunto”.
A deputada Claudia Pereira também destacou a importância do debate, com o engajamento de muitas pessoas e o interesse das entidades na preservação dos direitos das crianças. “Quando falamos de crianças e adolescentes, temos que tratar do assunto com total prioridade. Esta iniciativa no Poder Legislativo mostra que estamos atentos e queremos contribuir de alguma forma para a garantia destes direitos. Temos agora que assegurar não apenas a proteção do direito, mas a proteção de fato destas crianças, e vamos trabalhar conjuntamente para isso”.