
O aprimoramento de um projeto de lei (PL) que visa multar receptores e vendedores de materiais metálicos roubados - como cabos, fios, baterias, transformadores e placas – foi tema de uma audiência pública realizada na tarde desta quarta-feira (28), no Plenarinho da Assembleia Legislativa do Paraná. O evento reuniu profissionais do setor de telecomunicações e autoridades.
O PL 223/2025, de autoria dos deputados Tito Barichello (PL) e Alexandre Curi (PSD), estabelece multas para vendedores dos produtos ilegais de cerca de R$ 14 mil, quantitativo que representa, neste mês de maio, o valor de 100 Unidades Padrão Fiscal do Paraná (UPF/PR) definido pelo texto. Para quem adquire, o prejuízo no bolso é ainda maior: cerca de R$ 143 mil (1000 UPF/PR). Os valores podem ser dobrados em caso de reincidência. Apresentado no dia 14 do último mês de abril, o texto tramita hoje na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Para Barichello, que presidiu a audiência, o Estado não tem hoje estrutura para combater esse tipo de crime, que acaba impune. “Temos legislação penal que penaliza o crime de furto, mas há dificuldades para reconhecer o ladrão. Muito se discute sobre o furto de cabos, mas hoje não temos soluções plausíveis a curto e médio prazo”, denunciou. Atacar a receptação da mercadoria seria uma forma de fragilizar a cadeia do crime.
O parlamentar ilustrou qual seria o resultado prático da lei. “Um fiscal da prefeitura ou guarda municipal ao tomar ciência que em um certo ferro velho tem um material ilícito, fotografa, faz o termo de verificação de fato e encaminha para o Estado aplicar a multa. Como fica esse ferro velho com uma dívida de R$ 143 mil e inscrição em dívida, se não pagar? Terá um problema”, pontuou. O texto prevê que a aplicação da multa seja precedida de processo administrativo, “garantindo-se ao infrator o contraditório e a ampla defesa”.
A Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), que participou da elaboração do projeto de lei, recomendou que o texto preveja que os estabelecimentos de reciclagem façam o romaneio (controle) de todo o estoque de entrada e saída, num ritmo mensal. “Se é colocada essa entrega mensal, pode-se fazer uma fiscalização sistêmica”, sugeriu Hélio Bampi, vice-presidente e coordenador do Conselho Temático de Comunicações da Fiep.
O uso de ferramentas digitais que possam ajudar no rastreio dos materiais metálicos foi recomendado por Letícia Menegaço, presidente da Comissão de Direito Digital e Proteção de Dados da Ordem de Advogados do Paraná (OAB/PR). Ela citou, por exemplo, inteligência artificial e blockchain. No entanto, ponderou que elas devem ser aplicadas observando a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Alta incidência e impunidade
Durante a audiência pública, foi exibido um vídeo que reúne matérias jornalísticas com flagrantes de furtos de cabos. O material mostrou impactos como a paralisação de semáforos, o fechamento de hospitais, o comprometimento na conexão de internet, entre outros prejuízos.
As estatísticas do crime no Paraná foram detalhadas por Aluizio Weber Filho, coordenador de Infraestrutura na Conexis Brasil Digital, associação que representa as principais empresas de telecomunicações do país. Em 2023, mais de 950 mil metros de cabos telefônicos foram furtados no Estado. É o segundo pior índice no Brasil, somente atrás de São Paulo. A Operação Conectividade, conduzida pela Polícia Civil do Paraná para reprimir o crime, ajudou a reduzir o índice pela metade no último ano.
“Por muito tempo, o furto de cabos foi visto como crime contra o patrimônio. Mas o problema maior é da sociedade. Tudo hoje é conectividade. Meio metro de cabo é pouco ganho para o bolso do criminoso e pouco prejuízo para as empresas, mas compromete a conexão de cerca de um quilômetro. É significativo”, frisou. As sanções administrativas, por terem efeitos imediatos, teriam impacto maior na inibição do crime.
A delegada Tathiana Guzella, vereadora de Curitiba, explicou um padrão de impunidade que costuma se repetir no combate desses casos: por terem penas de até quatro anos, tanto a receptação como o furto, acabam sendo tratados com indiferença por muitas delegacias e pelas próprias vítimas, que costumam deixar de processar devido ao baixo custo do material furtado. A parlamentar municipal destacou como o crime vem se aperfeiçoando, com o derretimento do material roubado para apagar a origem ilícita. Guzella citou ainda ações realizadas no âmbito da Câmara de Vereadores de Curitiba, como um projeto de lei que concede benefícios a catadores para fomentar boas práticas – e evitar que eles pratiquem irregularidades.
Celso Francisco Zemann, gerente regional da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) no Paraná e em Santa Catarina, afirmou como a prática compromete o fornecimento de internet. Em Florianópolis, a unidade da Agência chegou a ficar 48 horas sem conseguir operar após roubo de cabos na região. Ele destacou que o órgão está à disposição para prestar apoio técnico ao projeto de lei.
“A prática compromete novos investimento nas redes, especialmente no interior. Quando você tem que reinvestir para repor algo que foi retirado do cidadão de bem, você prejudica todo o investimento em novos empreendimentos no Estado, no município, de uma empresa privada”, apontou Rogério Aver, vice-coordenador do Conselho Temático de Telecomunicações da Fiep.
“É fundamental adotar uma abordagem de dupla vertente. Primeiro educativa e preventiva, com treinamento, capacitação e formação profissional. E segundo repreensiva, com fortalecimento de fiscalização, responsabilização e prisão, não só dos criminosos que furtam, mas também dos receptadores que alimentam essa cadeia criminosa”, disse Daniel Mateus Ferreira, diretor do sindicato das Indústrias e Empresas de Instalação, Operação e Manutenção de Redes, Equipamentos e Sistemas de Telecomunicações do Estado do Paraná (SIITEP-PARANÁ).
Gilberto Deggerone, presidente da Associação Comercial do Paraná (ACP), frisou apoio ao projeto de lei.
AUDIÊNCIA PÚBLICA - "A APLICAÇÃO DE SANÇÕES ADMINISTRATIVAS PARA COIBIR A RECEPTAÇÃO E O COMÉRCIO ILÍCITO DE MATERIAIS METÁLICOS NO PARANÁ"
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