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Taquigrafa aposentada aponta papel da profissão como ferramenta auxiliar do serviço público

Aposentada desde 1986, Lílian Mary Rebello guarda com orgulho a lembrança dos 29 anos em que atuou como taquígrafa da Assembleia Legislativa – “ainda no tempo em que estava sediada no Palácio Rio Branco, hoje sede da Câmara Municipal de Curitiba”. Ela começou a trabalhar ainda na década de 1950, justamente na Câmara Municipal, que na época estava situada na Rua do Rosário. Foi admitida por concurso público, tal como ocorreu três anos mais tarde em relação ao Legislativo estadual. Nesta sexta-feira (3), quando se comemora oficialmente o “Dia do Taquígrafo”, a servidora dá o seu depoimento sobre a função que exerceu sempre apaixonadamente, por mais de trinta anos.

Autodidata, teve que estudar muito para disputar a vaga e dar início a uma carreira que despertou sua atenção meio por acaso, quando o marido a presenteou com um livro sobre o método Samuel Taylor.  Decidiu que iria decifrar aqueles sinais completamente estranhos e dedicou-se a estudar com afinco o método. Para treinar, taquigrafou muito discurso ouvido no rádio, inclusive do então presidente da República Juscelino Kubitschek, sem imaginar que algum tempo mais tarde iria taquigrafar um discurso feito por ele em visita ao Paraná.

Foi a única aprovada entre os vinte candidatos e foi saudada pelo então presidente da Casa, deputado Guataçara Borba Carneiro (1959/1960) pela façanha: “Consegui anotar 120 palavras por minuto e só errei três delas”, vangloria-se. Pelo sorteio, coube-lhe acompanhar um discurso feito pelo deputado Aníbal Curi em Plenário. E as palavras fatídicas que seus ouvidos não conseguiram captar na fala ligeira do parlamentar, na prova do seu concurso, foram “alhos com bugalhos”.

Paixão – A atividade lhe deu muitas alegrias, além de um bom salário, que lhe permitiu educar os cinco filhos. Dois deles seguiram a mesma carreira, um na Câmara Municipal e outra, a única filha, Maria Elisa, na própria Assembleia. Os dois foram treinados por ela. Aliás, ela teve mais de 40 alunos ao longo da vida. Vários dos atuais taquígrafos em atuação no mercado curitibano foram seus alunos.

Instada a falar sobre a profissão, só consegue apontar aspectos positivos: “O taquígrafo precisa ser um bom observador, ter capacidade de concentração e bom ouvido. Precisa ler muito, estar em dia com o noticiário, estar preparado para os mais diversos assuntos. E familiarizar-se com os termos do meio em que trabalha. De resto, terá a oportunidade de aprender muitas coisas sobre os mais diversos assuntos, de informar-se sobre a realidade de seu estado e de seu país, de conhecer pessoas, de ouvir técnicos e especialistas, o que o enriquece e amplia seus horizontes”.  

Quando Lilian começou a trabalhar, a parafernália tecnológica posta a serviço da sociedade não era sequer imaginada: “Quando muito, dispúnhamos de um pequeno gravador como ferramenta auxiliar. Depois transcrevíamos as notas usando as velhas máquinas de escrever. Sem dúvida os meios modernos dão maior agilidade e segurança ao trabalho dos taquígrafos, mas ainda não conseguem substituir a confiabilidade oferecida pela presença do profissional. Não é raro, mesmo diante da possibilidade da degravação das falas, o solicitante dos serviços optar pela presença do taquígrafo nas reuniões e eventos que demandem a anotação dos diálogos”, observa.

Revendo os muitos anos de profissão, evoca os grandes oradores que passaram pelo Plenário da Assembleia Legislativa, os discursos de Bento Munhoz da Rocha, a preocupação causada pelo movimento de 1964, que instalou a ditadura militar no país e produziu cassações de mandatos também no Paraná. Aos 83 anos de idade, essa paranaense de coração, nascida em Rio do Sul, Santa Catarina, reafirma a paixão pela profissão que escolheu e expressa uma convicção: a taquigrafia, vista por muitos como uma técnica exótica e anacrônica, ainda é um importante instrumento para auxiliar os trabalhos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e, em menor escala, atividades da iniciativa privada e da diplomacia.

Breve histórico

Definida como método de escrita veloz que permite o registro da fala em tempo real, mediante a utilização de traços geométricos (taquigramas), convenções e abreviaturas, a taquigrafia tem seus primeiros registros na antiga Roma, por volta de 63 AC, quando o escravo liberto Tiron criou as “notas tironeanas” para registrar os debates do Senado Romano, principalmente aqueles que envolviam o senador e grande orador Cícero e o senador Lucius Catilina, que se tornaram célebres com as “Catilinárias”.



A técnica é expressamente fonética. Taquigrafa-se conforme o que se ouve, desprezando-se, a princípio, a ortografia oficial, para privilegiar a tradução sonora; vale o som puro e simples e não a grafia da palavra. “Casa”, por exemplo, é taquigrafada como “caza”, porque é esse o som que a caracteriza. Na transcrição, depois, as palavras ganham a sua grafia correta. Para isso são usados vários métodos. No Brasil, os mais comuns são o Leite Alves, criado especificamente para o idioma português, o Taylor e o Marti.

A taquigrafia parlamentar foi oficialmente instituída no país em 3 de maio de 1823, por iniciativa de José Bonifácio de Andrada e Silva, para atuar na 1ª Assembleia Constituinte. O imperador Pedro I incumbiu o oficial da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros Isidoro da Costa e Oliveira de criar um curso de taquigrafia para formar os primeiros oito profissionais dos quais se têm notícia na história do Brasil.

Em condições adversas, utilizando penas conhecidas como “bico de pato”, postando-se à grande distância dos constituintes e sem dispor de nada além de seus blocos de anotações, eles foram responsáveis pela produção dos documentos que relataram a feitura de nossas primeiras leis. Essas notas, à partir de 1831, passaram a ser publicadas pela imprensa brasileira da época, como meio de manter informada a população sobre todo o processo.

Hoje a Câmara Federal possui um corpo de 188 taquígrafos no seu quadro de servidores concursados.   

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