A falta de médicos no interior do Brasil foi o tema da audiência pública que aconteceu na manhã desta quarta-feira (5) no Plenarinho da Assembleia Legislativa. Proposto pelo deputado Gilberto Martin (PMDB), com apoio do presidente da Comissão de Saúde Pública da Casa, deputado Dr. Batista (MD), o evento reuniu representantes do meio acadêmico e de entidades ligadas ao segmento da saúde. A ideia, segundo Martin, é ampliar o debate com o objetivo de levantar sugestões a serem apresentadas ao Poder Executivo em suas várias instâncias, colaborando na busca de soluções efetivas para o problema.
O presidente da Associação Médica do Paraná (AMP), João Carlos Baracho, o presidente do Conselho Regional de Medicina (CRM), Alexandre Bley, e o procurador de Justiça Marco Antônio Teixeira, foram bastante enfáticos ao delinear a precariedade da estrutura de assistência sanitária no país, bem como a falta de uma política integrada de Estado com estrutura adequada para fazer frente às demandas. “Médico não vai para onde não existe a mínima estrutura para atendimento”, sintetizou Baracho.
Uma das saídas aventadas foi a criação da carreira médica, preferencialmente ligada ao Sistema Unificado de Saúde (SUS), como forma de evitar a extinção da figura desse profissional no serviço público, ao mesmo tempo em que se promove sua melhor distribuição territorial, suprindo os vazios sanitários hoje verificados.
Índices mundiais – O presidente da AMP comparou indicadores para mostrar que a média brasileira, de dois médicos para cada mil habitantes, não está longe das médias canadense (2/1000), japonesa (2,1/1000) e norte-americana (2,4/1000). Em número de faculdades de Medicina, o Brasil, com 201, só perde para a Índia, com 202 faculdades. Também sobrepôs os mapas da saúde no país para mostrar que a concentração de médicos nas regiões sul, sudoeste e no litoral é coerente com a concentração de estrutura e equipamentos onde também ocorre a concentração populacional.
“A medicina romântica do passado foi substituída pela medicina judicializada do presente. O erro médico é passível de processo, o que torna temerária a atuação em meio que não dispõe de condições mínimas para o exercício da profissão”, destacou Baracho, observando que esse é o quadro mais comum nas regiões onde há carência de médicos. Apontou ainda o problema da baixa oferta de vagas para residência médica e concluiu que o Brasil não precisa importar médicos, “mas sim de melhores condições de trabalho, vínculo formal e acesso às ferramentas das modernas tecnologias de diagnóstico e tratamento”.
Desviar o foco – Foi na mesma direção o presidente do CRM, Alexandre Bley, para quem o governo federal tenta responsabilizar a classe médica pelas deficiências dos serviços de saúde pública oferecidos e joga com a desinformação no intuito de desviar a atenção dos verdadeiros problemas e do fato de que não está fazendo a sua parte: “ao mesmo tempo em que faz o discurso social, retira 10% dos investimentos globais em saúde. Também tivemos uma perda de leitos do SUS da ordem de 12% na média nacional”, lamentou.
Abordou ainda o que considera falta de respeito dos governantes para com os profissionais da saúde e a inexistência de uma política integrada de Estado para o setor como fatores de desestímulo para a categoria. Como o colega que o antecedeu na exposição, defendeu a criação de um plano de carreiras, além da revisão da tabela do SUS, como medidas capazes de contribuir para minorar o problema da má distribuição de profissionais no território nacional.
Resgate da carreira – O procurador de Justiça Marco Antônio Teixeira afirmou que a eclosão do debate ocorre neste momento, com ampla repercussão nacional, mas os problemas vêm se avolumando ao longo dos anos, na medida em que a assistência à saúde foi sendo privatizada com sua terceirização através de ONGs, OCIPs, cooperativas e “outras geringonças jurídicas”. Lastimou o gradativo desaparecimento da figura do médico do serviço público, que ascende ao cargo por meio de concursos e faz carreira pública: “a falta de médicos nos remete à saúde pública, não à rede privada. Devemos reconhecer que houve esforço do governo, mas os resultados não foram os esperados, as ações implementadas não foram suficientes”.
Ainda assim, ele considera que a proposta de importação de médicos estrangeiros não se justifica: “trata-se de uma hipótese de exceção, depois de esgotadas todas as outras tentativas de solução. Neste quadro, não podemos ficar reféns de uma discussão que não resultará em soluções. Se, por um lado, o governo não pode agir de forma autocrática, desconsiderando os princípios democráticos, também não podemos concordar com uma reserva de mercado negativa”.
Para ele, a conjugação de bons salários e boa estrutura para os serviços de saúde são caminhos para a inversão do quadro atual. “Temos nos deparado com o desmazelo com que se trata os recursos humanos na área da saúde, com a privatização do sistema público através da terceirização. Chegamos ao absurdo de ver municípios terceirizando a atenção primária, o que é inconcebível”. Encerrou sua fala propondo o resgate da figura do médico como funcionário público, reforçando e dando maior qualidade aos serviços públicos de saúde, de forma a garantir o devido atendimento à população.
Participaram do evento os deputados Tercílio Turini (MD) e Nereu Moura (PMDB); o secretário estadual da Saúde em exercício, Rene Moreira dos Santos; o diretor de Finanças da Federação Nacional dos Médicos, Mario Antonio Ferrari; o professor de Medicina da Universidade Federal do Paraná e médico de saúde da família da Prefeitura de Curitiba, Francisco Mouzinho de Oliveira; a diretora do setor de saúde da UFPR, Claudete Reggiane; o prefeito de Balsa Nova, Luiz Claudio Costa; o ex-deputado Márcio Almeida, entre outras autoridades e técnicos da área.
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