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Audiência pública trata dos impactos da violência política de gênero na democracia brasileira

Apesar de serem minoritárias, políticas mulheres foram vítimas de 36% de todos os casos de violência política denunciados entre 2021 e 2022 no Brasil. Participantes propuseram soluções e debateram lei que combate prática.

Debate ocorreu na manhã desta terça-feira (15), no Plenarinho da Assembleia.
Debate ocorreu na manhã desta terça-feira (15), no Plenarinho da Assembleia. Créditos: Valdir Amaral/Alep

Os prejuízos para a democracia da violência política de gênero e os desafios para a aplicação da Lei nº 14.192/2021, que tipifica a prática como crime, foram temas de uma audiência pública realizada na manhã desta terça-feira (15), no Plenarinho da Assembleia Legislativa do Paraná. Organizado pela deputada Ana Júlia (PT), o evento reuniu parlamentares que já foram agredidas no ambiente legislativo, pesquisadoras e representantes de instituições públicas.

“A ideia é dar visibilidade ao tema. Infelizmente, muitas pessoas ainda acreditam que não existe violência de gênero e, principalmente, violência política", denunciou a deputada estadual. "Existe uma estrutura e um sistema que impedem a participação das mulheres nos espaços do poder e na política como um todo. E essas violências acontecem sistematicamente todos os dias. E, muitas vezes, de forma silenciosa."

A Lei nº 14.192 caracteriza como violência política de gênero toda ação, conduta ou omissão que tenha o fim de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher, seja ela candidata ou política eleita. Assédio, constrangimento, humilhação, perseguição ou ameaças são condutas que caracterizam o crime. Sancionada em 2021, a norma prevê pena de um a quatro anos para quem incorrer no crime. A pena pode ser maior caso a vítima seja gestante, tenha mais de 60 anos ou seja portadora de deficiência.

Apesar de serem esmagadora minoria na política brasileira, 36% de todos os casos de violência política são cometidos contra mulheres, de acordo com dados dos anos de 2021 e 2022 apresentados por Symara Motter, promotora de Justiça e presidente da Associação Paranaense do Ministério Público (APMP). O Censo das Prefeitas Brasileiras 2021–2024, realizado pelo Instituto Alziras, revela que 66% das prefeitas brasileiras já sofreram algum tipo de ataque nas redes sociais, e 58% relataram algum tipo de assédio. Quanto às candidatas, 44% denunciaram violência política.

A hostilidade que as mulheres têm de enfrentar na política é um dos fatores que as afasta desses cargos. Motter mostrou como as diferentes instâncias de poder têm pouca representação feminina: apenas 12% de todos os 5.568 municípios brasileiros têm prefeitas — 4% das chefias dos Executivos municipais são ocupadas por negras. As mulheres são 17% de todos os 513 deputados federais e, dentre os senadores, são apenas 12%.

Os dados contrastam com a realidade: o público feminino corresponde a 51% da população brasileira e 53% de todo o eleitorado nacional. “Somos uma maioria minorizada, silenciada e oprimida porque não chegamos aos espaços em que podemos fazer a mudança estrutural que este país precisa”, pontuou Motter. A especialista denunciou ainda como a legislação dedicada a fomentar a participação feminina é sistematicamente desrespeitada, citando as constantes anistias concedidas pelo Poder Público aos partidos que descumprem cotas de mulheres nas eleições.

A delegada Luciana de Novaes, chefe da Divisão de Polícia Especializada (DPE) da Polícia Civil do Paraná, trouxe dados gerais da violência contra a mulher no Estado. No último ano, mais de 70 mil denúncias foram registradas, e 32 mil medidas protetivas foram solicitadas. Os números cresceram em comparação ao ano anterior — um dos motivos é que as mulheres estão denunciando mais, segundo a gestora. Para ela, é necessário promover mais ouvidorias nas instituições públicas e privadas. “Quando a gente cria esse tipo de política, o que ocorre? Os membros do ambiente sabem que se deve proteger a mulher”, destacou.

O deputado Luiz Claudio Romanelli (PSD) traçou um histórico das mudanças referentes à atuação política feminina no Brasil e no Paraná desde a década de 1960. “[Hoje] acompanhamos involução na ocupação de espaços de poder pela mulher. Não só na política, mas no setor privado também", denunciou. "O discurso de ódio da extrema direita é focado no descredenciamento da mulher."

O endurecimento das penas a quem praticar violência política de gênero, com a pena de suspensão do direito de fala; o fortalecimento das Procuradorias da Mulher e a necessidade de reserva de vagas para candidaturas femininas — estipulada em 30% em um projeto de lei que tramita no Congresso Nacional — foram defendidos por Romanelli.

Violência política no dia a dia

A deputada federal Carol Dartora (PT) e as vereadoras Camilla Gonda (PSB), de Curitiba; Tenile Xavier (PSD), de Paranaguá; e Edna dos Santos Sousa – Miss Preta (PT), de Pinhais, relataram os desafios que enfrentam rotineiramente para fazer política. Além de discriminações de gênero, ofensas racistas e misóginas também se tornaram cotidianas.

Ao trocar as salas de aula pelas dependências do Congresso Nacional, a deputada federal passou a lidar com o cerceamento de suas liberdades individuais, reforçado por constantes comentários sobre as roupas que usa e o seu cabelo. Desde o início do seu mandato, ela já sofreu mais de 40 ameaças de morte. Ela defendeu que a Lei 14.192 seja ampliada para considerar a interseccionalidade do crime, que muitas vezes é marcado também por questões de raça e classe. “O contexto de uma política cujo pai ou o avô foi governador é diferente daquele de uma que foi professora ou estudante de escola pública”, ilustrou.

Logo no primeiro mês no Legislativo de Pinhais, as redes sociais de Miss Preta foram bombardeadas com xingamentos racistas. Mensagens ameaçavam que a parlamentar “iria acabar como Marielle [Franco]” — vereadora negra assassinada a tiros no Rio de Janeiro em 2018. Aos prantos, Edna dos Santos contou que precisou mudar de endereço e evitar realizar atividades cotidianas sozinha, como ir ao supermercado ou andar de bicicleta.

“Quando a violência é escancarada, é mais fácil de ser combatida. O pior é quando ela é velada, institucionalizada”, afirmou Gonda, referindo-se às agressões que ocorrem nos bastidores da política. Para não comprometer a imagem das instituições, as vítimas costumam ser desencorajadas a denunciar os casos pelos chefes dos órgãos em que atuam, denunciou Gonda.

“Queria estar fazendo muitas outras coisas na Câmara [de Vereadores de Curitiba] em vez de ter de ficar respondendo sindicâncias sobre como me posiciono no Plenário.” “Confio muito nas Procuradorias da Mulher, elas precisam estar fortalecidas”, finalizou.

Os esforços do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) para enfrentar a violência política de gênero foram tratados pelo desembargador Sigurd Roberto Bengtsson, presidente do órgão. Em 2024, o TRE-PR promoveu uma série de seminários no interior do Estado para debater o tema. Segundo Bengtsson, muitas mulheres relataram ter se afastado da política após sofrerem agressões. Há ainda muitas queixas de vereadoras que afirmam ter sua atividade parlamentar restrita a comissões de Infância, Juventude e Gênero — não conseguindo acessar colegiados que tratem de outros temas.

Institucionalização

Com o afastamento das mulheres do cenário político, há um comprometimento das políticas públicas. “Quando você exclui determinados grupos da representação política, temos uma política pior. Portanto, uma democracia pior”, afirma Desiree Salgado, doutora e professora de Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). “Quando temos menos participantes de grupos diferentes formando as eleições políticas, as eleições políticas acabam sendo menos representativas.”

Tailaine Cristina Costa, advogada participante do Observatório de Violência Política Contra a Mulher, explicou os trabalhos realizados pela entidade para ampliar a compreensão do crime no Brasil. Marilda Ribeiro, representante do Coletivo de Mulheres do PT, alertou para a necessidade de socializar as tarefas domésticas a fim de permitir a participação das mulheres nos espaços públicos.

A história da institucionalização do machismo na legislação brasileira foi traçada pela advogada Daiana Allessi Nicoletti Alves, vice-presidente da Comissão das Mulheres Advogadas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/PR) e integrante do coletivo Todas da Lei. A proibição das mulheres de participarem de estudo formal (vigente até 1827), das universidades (até 1879), do voto (até 1932), e a necessidade de permissão do marido para trabalhar (até 1962) e para realizarem financiamentos (até 1964) foram estratégias adotadas pela sociedade para mantê-las presas ao espaço privado.

“O que a história diz para a gente: vocês precisam ficar confinadas nesse espaço”, afirmou. “Para passarem por essa ‘porta’, vocês precisam de autorização da hegemonia — de um homem”.

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