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Audiência debate a importância de políticas públicas e acessibilidade à população surda do Paraná

Encontro, proposto pelo deputado Goura (PDT), também discutiu a valorização da cultura surda.

Audiência ocorreu no Auditório Legislativo na noite desta segunda-feira (19).
Audiência ocorreu no Auditório Legislativo na noite desta segunda-feira (19). Créditos: Orlando Kissner/Alep

A Assembleia Legislativa do Paraná promoveu a primeira audiência pública com Libras (Língua Brasileira de Sinais) como principal forma de comunicação entre os participantes. Com o tema “Políticas Públicas para a População Surda do Paraná”, o evento ocorreu nesta segunda-feira (19), no Auditório Legislativo da Casa de Leis. Promovido pelo deputado Goura (PDT), ele teve como objetivos debater a valorização da cultura surda, a formação de intérpretes, o acesso ao trabalho, o fomento à arte e para propor a criação de políticas intersetoriais que garantam os direitos da comunidade surda no estado.

“A proposta dessa audiência é oferecer um espaço de diálogo qualificado com foco em temas estruturantes. Além disso, foi um marco institucional que reafirma o nosso compromisso com a acessibilidade e a inclusão real a partir da proposição de políticas públicas efetivas para a população surda do Paraná”, disse o deputado. Para ele, não basta acessibilidade pontual. “É preciso garantir protagonismo surdo em todas as esferas”, destacou.

O parlamentar ressaltou a importância de se olhar para as políticas públicas voltadas às pessoas com deficiência de forma abrangente. “No caso das pessoas com deficiência auditiva, há uma série de reclamações e denúncias sobre a falta de inclusão, especialmente pela ausência de intérpretes em eventos culturais e pela falta de garantias para que essas pessoas possam exercer plenamente sua cidadania, pois muitas vezes são invisibilizadas”, disse, reforçando a necessidade de que os poderes públicos estejam sensíveis à causa.

Presidente da Comissão de pessoas com Deficiência da Assembleia, deputado Pedro Paulo Bazana (PSD), disse ser muito importante ouvir e colher as necessidades das pessoas com deficiência. “Luto há mais de 23 anos na causa da pessoa com deficiência, por isso é muito bom ouvir vocês, colher as suas demandas para podermos criar, aperfeiçoar e melhorar as políticas públicas a todas essas pessoas”, disse.

O vereador de Curitiba, Angelo Vanhoni (PT), falou da necessidade da expansão da língua de Libras nas escolas. “A língua de Libras e a inserção na sociedade tem que ser através da expansão da língua de Libras”, afirmou, ao mostrar que ainda “temos muito o que avançar”. Já o vereador de Curitiba, Marcos Vieira (PDT), disse que veio para ouvir e somar forças que visem construir políticas públicas à comunidade surda. “Queremos ouvir e somar forçar para criar e implementar políticas públicas revelantes aos surdos”.

Vez e voz aos surdos

A secretária estadual da Cultura, Luciana Casagrande, destacou a importância da pauta. “É um evento fundamental para esse momento de construção de política pública específica para a população surda. A Secretaria de Estado da Cultura está aqui atenta e pronta para ouvir todas as demandas da sociedade e para dar apoio”, disse ela ao pontuar que os editais da secretaria já são acessíveis e que está sendo implantado um sistema de acessibilidade em todos os equipamentos públicos. “Ainda estamos nesse processo, então o momento agora é de ouvir, por isso a audiência chegou num momento muito oportuno”, completou.

O diretor de Ação Cultural da Fundação Cultural de Curitiba, João Luiz Fiani, afirmou que o objetivo da atual gestão é ter um olhar cuidadoso sobre as ações afirmativas. Ele citou como exemplo a Mostra Surda realizada no Festival de Curitiba deste ano, que teve casa lotada em todas as sessões, reforçando a força do movimento. “O poder público tem essa obrigação de cuidar e estar atento a todo tipo de diversidade. Esta audiência é fundamental para isso: para entendermos quais são as demandas específicas. O princípio da relação institucional é entender o que está acontecendo para construir uma história bonita”, afirmou.

Diretora do Departamento dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano da Prefeitura de Curitiba, Elyse Matos, falou dos primeiros atos da gestão que seria a contratação de profissionais de Libras 24 horas e de profissionais especializados em Libras para atender nas unidades de saúde. “Mas esse debate é muito importante para podermos colher as revindicações e implementar as próximas ações”, disse.

Para o presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos do Paraná (Sated/PR), Adriano Esturilho, a audiência pública é histórica porque está dando vez e voz a um grupo que, embora represente quase 5% da população, ainda é pouco atendido pelas políticas públicas, que é a comunidade surda. Ele explicou que Sated é o primeiro sindicato do país que tem feito bancas para reconhecer enquanto trabalhadores, atores, atrizes, diretores surdos. “Isso é importante para que eles se reconheçam enquanto trabalhadores e a partir disso a gente conseguiu avançar em outras pautas aqui em Curitiba como, por exemplo, a criação de uma amostra surda dentro do Festival de Teatro”, disse ao comentar que eles começaram a se entender enquanto trabalhadores e que eles também têm direito a lutar por um piso sindical e outras coisas que não são só para os ouvintes

Falta de acessibilidade

Portador da Síndrome de Usher — a causa genética mais comum de surdez e cegueira combinadas —, Carlos Eduardo Vilela atua na coordenadoria surda do Sated e aponta a falta de acessibilidade em várias áreas. “Mas, especialmente nas artes”, destacou, citando a ausência de recursos como guias e intérpretes que permitam às pessoas sentir as emoções dos espetáculos. Ele se comunicou com o auxílio de um intérprete de Libras tátil. “Trabalhamos para garantir o acesso a esses intérpretes e poder participar de todas as vertentes artísticas”, acrescentou. As Libras táteis são uma forma de comunicação para pessoas surdocegas, na qual a Língua Brasileira de Sinais é adaptada para ser transmitida por meio do tato, com os sinais sendo realizados nas mãos do surdocego.

“É muito importante esse atendimento à pessoa surda na área cultural, com editais acessíveis em Libras. Que nós, profissionais surdos, também estejamos bem engajados na produção desses projetos. Isso vem crescendo, com alguns diretores surdos criando peças e abrindo espaço na área teatral, permitindo que possamos trabalhar e fomentar esse movimento”, reforçou a artista surda, professora e coordenadora da pasta de arte no Sated, Rafaela Hoebel. Primeira bacharela surda em artes cênicas da Unespar, a artista Gabriela Grigolon, também defendeu maior acessibilidade nos editais e espaços culturais; e solicitou que a lei da inclusão seja respeitada e cumprida.

“Não podemos ser uma comunidade esquecida. Nós temos o nosso valor e precisamos ser lembrados e respeitados, porque a nossa luta é constante e permanece”, disse a presidente da Associação dos Surdos de Curitiba (ASC), Celma Gomes. Ela alertou que faltam intérpretes de Libras em vários locais como, por exemplo, em uma reunião de escola, ou num atendimento em delegacia. “Então essa audiência é muito importante para trazermos nossas pautas e demandas”.

Representando a Associação Integrada de Pessoas com Deficiência e Amigos (Acessis), Manu Aguiar, falou das dificuldades que as pessoas com deficiência do litoral e do interior têm em acessar escolas e universidades, ou posto de saúde. Pesquisador, professor e tradutor de Libras, Rhaul Santos de Lemos, destacou o fato de os surdos estarem reivindicando e apresentando as suas necessidades. “Eles defendendo seus direitos é muito importante, mas também temos que debater a importância linguística, o acesso aos editais culturais e todas as outras questões que envolvem a comunidade surda”.

Inclusão

“Diversidade é ter um lugar na sala, inclusão é ter voz, ser ela como for, e pertencimento é ser ouvido”, afirmou a presidente da Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB/PR, Adriana Bezerra, ao falar sobre a importância da inclusão e do déficit de advogados com deficiência por falta de acessibilidade é muito difícil.

Representado a Divisão de Saúde da Pessoa com Deficiência da Secretaria da Saúde do Paraná (Sesa), Aline Jarschel de Oliveira, falou sobre os 19 centros de atendimentos às pessoas com surdez e sobre o acompanhamento e o investimento de cuidado com os pacientes deste o nascimento. “Ainda temos que melhor na questão da acessibilidade e precisamos melhor isso para ampliar o atendimento”, disse. Já o representante da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Social e Família do Paraná, Ronaldo Olmo, falou sobre os 73 municípios com conselho, plano e fundo regularizados e aptos para receber recursos do Estado para atender estas demandas e que o Governo está trabalhando forte para que todos os 399 municípios tenham isso. 

Professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Sueli Fernandes, falou sobre a importância do debate do ponto de vista de um grupo social bastante vulnerabilizado, que é a população surda, sinalizante de Libras, em contexto de minoria linguística no Brasil. “Apesar de já ter os seus direitos garantidos legalmente desde 2002 no Brasil, com a oficialização da lei de Libras, e desde 98 no Paraná, com o reconhecimento da lei estadual, ainda há muitas políticas a serem implementadas no campo da educação que garantam que a Libra seja a primeira língua para essa população”, disse. “Hoje, as escolas, em sua grande maioria, são monolínguas, em português. Isso é uma carência que a comunidade surda reivindica desde que a Libras foi liberada para uso nas escolas”, afirmou, ao pontuar que estar numa audiência pública, debatendo, com deputados que representam essa comunidade como é deputado Goura, que quando era vereador, foi o parceiro que levou a Libras a ser oficializada no município de Curitiba por meio de lei, “e que agora está aqui nos chamando, chamando a comunidade para ouvir suas demandas, é fundamental, é cidadania”.

Também falaram e contribuíram com sugestões e ideias o artista e tradutor de Libras, Jonatas Medeiros; o funcionário público, enxadrista e integrante da comunidade surda, Richard Van den Bylaardt; o presidente da Federação do Desporto Surdo, Anderson Marcondes Santana Junior; o presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência de Toledo, Junior Rasbolt; diretor da Companhia Ilíada, Octavio Camargo; o coordenador dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São José dos Pinhais, Maurisclei Nascimento Moreira; representando a comunidade surda de Matinhos, Ringo Bez; autoridades e demais membros da comunidade surda; representando o Tribunal Regional do Paraná (TRE), Thame Joana do Nascimento; os vereadores da Lapa, Camila Schefer Pierin (PSDB) e Bruno Bux (PT). As falas foram traduzidas pelas intérpretes Ligia Jaqueline Klen, Marília Lara e Tiago Henrique Rissardi.

Como vereador, Goura foi autor da Lei Municipal nº 15.823/2021, que oficializou a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e a Língua Portuguesa como meios de acesso à informação e à comunicação para pessoas surdas em Curitiba. E como deputado, tem trabalhado pelo desporto para surdos no Paraná e tem compromisso, desde 2021, om a Federação Desportiva de Surdos do Paraná (FDSP) para realizar estudos para a elaboração de uma lei estadual de fomento ao desporto para pessoas surdas ou com deficiência auditiva no Paraná. Ele também tem atuado na fiscalização e cobrança por acessibilidade em Libras.

Dados

Cerca de 5% da população brasileira possui deficiência auditiva, o que inclui diferentes níveis de perda auditiva. Em Curitiba, dos 400 mil moradores com deficiência, 80 mil são surdos,  representando 20% desse grupo, segundo dados IBGE 2022. Apesar disso, a comunicação com ouvintes ainda é um desafio, principalmente pela falta de adaptação e pelo baixo uso da Língua Brasileira de Sinais (Libras), segundo idioma oficial do país. Apenas 1,8% das pessoas com deficiência auditiva sabem Libras, e entre os surdos totais, apenas 35% se comunicam por sinais. Para melhorar esse cenário, foi criada, em 2014, a Central de Libras da Prefeitura de Curitiba.

No Brasil, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua) de 2022, 18,6 milhões de pessoas (8,9% da população) têm algum tipo de deficiência, sendo que aproximadamente 5,8 milhões de indivíduos (3,2% da população) são surdas. A surdez pode ser uma condição ser congênita ou adquirida e classificada em cinco níveis: ligeira, média, severa, profunda e cofose (ausência total de audição).

Legislações

O Paraná possui algumas legislações que trata do tema como a lei nº 12.095/1998 que reconhece oficialmente no Estado a linguagem gestual codificada na Língua Brasileira de Sinais (Libras) e outros recursos de expressão a ela associados, como meio de comunicação objetiva e de uso corrente; a lei nº 14.588/2004 que obriga as maternidades e os estabelecimentos hospitalares públicos e privados do Paraná ficam a realizar, gratuitamente, o exame de Emissões Otoacústicas Evocadas (Teste da Orelhinha) para o diagnóstico precoce de surdez nos bebês nascidos nestes estabelecimentos e a Lei nº 18.419/2015 que estabelece o Estatuto da Pessoa com Deficiência do Estado do Paraná destinado a estabelecer orientações normativas que objetivam assegurar, promover e proteger o exercício pleno e em condições de equidade de todos os direitos humanos e fundamentais das pessoas com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania plena, efetiva e participativa.

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